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Segunda, 23 Outubro 2017 21:48

Cenários que podem levar à queda da “princesa”

Isabel dos Santos, sabemo-lo, nunca foi obrigada a negociar. Por ser filha de quem é, sempre impôs a sua vontade, sobretudo em Angola, onde o pai continuadamente lhe fez as vontades. A “princesa” nunca ouviu um “não”, algo que deveria ter ouvido ainda enquanto criança. Por isso, sempre teve o que quis, sem o menor esforço intelectual ou financeiro, uma vez que tudo o que tem recebeu de mão beijada, unicamente por ser filha de quem é. Da UNITEL à Nova Cimangola, passando por uma série de negócios, a antiga quitandeira de ovos (eram de ouro?) recebeu tudo de borla, sem investir um único tostão ou participar em concursos públicos. Tudo o que pediu ao papá lhe foi dado, sem o mínimo rebuço, sem constrangimentos de natureza ética. Até a Sonangol, qual boneca para a filhinha querida brincar, mesmo já não tendo idade para tal, lhe foi dada...

Também sabemo-lo, Isabel dos Santos está habituada a mandar. Nunca foi subordinada de quem quer que fosse e graças ao seu apregoado “génio criativo”, que provavelmente pede meças a qualquer Bill Gates, montou um império empresarial. Mesmo quando era quitandeira de ovos, não tinha patrão. Mandava em si mesma, fazia o que quisesse. Resta saber se calcorreava a cidade a vendê-los cozidos com o costumeiro sal e jindungo para petisqueira de bebedores ocasionais ou de esfomeados transeuntes, como as heróicas zungueiras dos centros urbanos do país que, com o seu trabalho digno e honesto, sustentam catervas de filhos. Depois desse negócio “bem-sucedido”, Isabel nunca foi empregada, começando a vida laboral com actividade própria, que diz ser o restaurante Miami, à Ilha de Luanda. Portanto, ela não sabe o que é receber ordens. Provavelmente até sequer do pai as recebe, isto é, se não for o inverso. Por outras palavras, nunca teve necessidade de “olhar para cima” (o mesmo que dizer para as chefias), visto que foi acostumada (ou talvez educada?) a “olhar sempre para baixo” (para os subordinados).

Essa condição que a faustosa vida de filha de presidente lhe proporcionou moldou a sua personalidade na base do “quero, posso e mando”, traços que podem jogar em seu desfavor. Coberta de mimos pelo pai, que coincidentemente foi o segundo presidente mais longevo do Mundo, pensa que é dona de tudo e que em todos pode mandar. A história do comunicado após o encontro do presidente João Lourenço com representantes das petrolíferas que operam em Angola é sintomática de que pensa estar (ainda) acima de tudo e de todos. Isabel dos Santos é a personificação da arrogância, dizem muitas pessoas que com ela privaram ou se relacionaram apenas profissionalmente.

Em face do seu perfil sociopsicológico, desenhamos alguns cenários que podem “obrigar” o presidente da República a exonerá-la ou ela a demitir-se de motu próprio da Sonangol, onde, por via das suas empresas, está a ganhar milhões de dólares, de forma ética e legalmente questionáveis (ver, a propósito, matéria “Isabel dos Santos usurpa activos da Sonangol). Vamos, pois, às hipóteses que podem precipitar a sua saída da maior empresa do país.

O ex-“monarca” e a “princesinha” a quem satisfaz todos os caprichos, mesmo os mais absurdos...

Cenário 1

Praticamente com residência permanente em Londres – para quê viver em Angola e expor-se ao risco de contrair um paludismo, doença de pobre? –, só muito raramente está em Angola e mais raramente ainda aparece na Sonangol. Suponhamos que um dia o Presidente da República a mande chamar de urgência ao Palácio da Colina de São José para tratar de um assunto urgente ligado à companhia, como o pai dela muitas vezes fez com Albina Assis, Joaquim David ou Manuel Vicente. Não estando no país, não poderá responder ao chamado. Mais: poderosa como pensa que é, pode ser até que “sugira” ao chefe de Estado que está fora do país em tratamento médico e que marque outra data, quando estiver disponível em Luanda. Pode ser até que João Lourenço leve em consideração a “questão de saúde”. Mas seguramente não vai aturar tamanha desfeita por mais de uma vez. Na sequência, pode naturalmente mostrar à porta de saída da Sonangol à mimada “princesa”.

Cenário 2

Suponhamos que, por qualquer milagre, Isabel dos Santos esteja em Luanda e nessa altura o Presidente da República a mande chamar ao palácio presidencial... Ou ela mesmo queira tratar de qualquer assunto urgente da companhia. Como o presidente é um homem ocupado a tentar concertar as muitas asneiras feitas pelo seu antecessor, deixa-a à espera durante três horas ou duas que sejam. Passado esse tempo todo, recebe-a por uns instantes, mas nada diz de especial e encaminhe-a ao ministro de tutela para tratar do suposto assunto que pretende ver resolvido. No dia em que vai ter com o ministro não o encontra por ter ido a uma audiência-relâmpago com o PR, informação que recebe da secretária. Daí a uns dias é finalmente recebida pelo ministro após longa espera pela audiência, mas depois é reencaminhada para o secretário de Estado, que defenestrou de forma deselegante da Sonangol P&P. Mas o coadjuctor está ocupado com dossiers eventualmente mais importantes ou... nem por isso, mas pede-lhe que volte noutra ocasião...

Cenário 3

Pelo seu génio pouco dado a posições inferiores, seguramente não voltaria ao gabinete do secretário de Estado, quanto mais não seja pelo facto de na sua Londres querida ter coisas “mais ingentes” para tratar. Só que ao faltar sem justificativa plausível a um encontro de trabalho com o imediato do ministro estaria a incorrer em desobediência, uma grave falta administrativa. Logo, ofereceria de bandeja legitimidade ao Presidente da República para afastá-la do cargo. Por outro lado, muito senhora do seu nariz, Isabel, que foi educada a ver todo o mundo de cima para baixo (portanto, na condição de um ente superior), não iria por certo suportar o que qualquer outro PCA já suportou: esperar numa sala, provavelmente com outras pessoas que também querem falar ao chefe, horas a fio. Seria afronta demais para o seu inflamado ego. Isto é, se logo após sair do gabinete do PR não iria pedir imediatamente a sua demissão para dedicar-se exclusivamente aos seus negócios particulares.

Conclusão

Embora esta semana, em Londres, na 38.ª edição da conferência “Oil & Money”, coorganizada pelos jornais New York Times (EUA) e Energy Intelligence (Inglaterra), Isabel dos Santos tivesse assegurado que as relações da companhia estão “totalmente alinhadas” com as do governo de João Lourenço, é pouco provável que a quitandeira de ovos fique por muito mais tempo na Sonangol. Isto é... se o novo PR, cujo poder tem sido desafiado de forma velada pela “dona de quase tudo” em Angola, não aceitar desaforos. (Correio Angolense)

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