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Terça, 17 Outubro 2017 13:27

A concentração de poderes no Palácio Presidencial

Nos últimos dias, as altas esferas do MPLA têm vindo a ser acometidas por um forte sentimento de decepção. O motivo? As dúvidas sobre a capacidade que o presidente João Lourenço terá para mudar verdadeiramente os velhos e nefastos hábitos de José Eduardo dos Santos.

Um desses hábitos era a criação e manutenção de poderes paralelos no seio das instituições do Estado, esvaziando os poderes legais e constitucionais de uma para o reforço arbitrário de outras.

João Lourenço mantém essa política. Actualmente, o seu director de gabinete, Edeltrudes Maurício Fernandes Gaspar da Costa, já é considerado o super primeiro-ministro, uma vez que chamou a si o trabalho e as competências do vice-presidente Bornito de Sousa e do ministro de Estado e chefe da Casa Civil do PR, Frederico Cardoso.

Segundo fontes do MPLA, até as operações cambiais do Banco Nacional de Angola e a administração dos governos provinciais são agora sujeitos à triagem do director de gabinete de João Lourenço.

É com base nesses poderes que, há dias, o então todo-poderoso general Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, testa-de-ferro dos negócios de José Eduardo dos Santos, telefonou a Edeltrudes Costa, questionando-o sobre as operações cambiais a favor da rede de supermercados Kero e da Biocom. Estas são empresas pertencentes ao triunvirato constituído por Manuel Vicente e pelos generais Dino e Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”. A Biocom – Companhia de Bioenergia de Angola é um grande esquema de corrupção montado pelas figuras acima mencionadas, pela Sonangol e pela multinacional brasileira Odebrecht, que já denunciámos em 2010. A Odebrecht foi condenada em 2015, no Brasil, por prática de trabalho escravo na Biocom.

As fontes do Maka Angola indicam que o Palácio Presidencial ordenou a redução, para mais de metade, das operações cambiais das referidas empresas, que tinham acesso privilegiado e irrestrito ao BNA.

O actual governador do BNA, Valter Filipe, exerce o cargo há mais de um ano por indicação do general Dino, mas teve de informar o seu patrono de que agora tem ordens expressas para agir em conformidade com as orientações do novo presidente.

Como resposta do Palácio Presidencial, o general Dino recebeu a informação de que, doravante, todas as operações cambiais dependem da autorização do presidente João Lourenço.

Edeltrudes Costa já exerceu o cargo de ministro de Estado e chefe da Casa Civil do PR, assim como o cargo de secretário-geral do Palácio Presidencial. Tem afinidades familiares com o casal Lourenço, por via da sua relação conjugal com Inokcelina Bens África, sobrinha de Ana Dias Lourenço e braço direito do casal presidencial.

Estas actuações revelam que o novo presidente não tem força suficiente para quebrar o “anel de ferro” que José Eduardo dos Santos deixou à sua volta e que o impede de exercer as suas funções na plenitude. Então, como ensina a ciência política, João Lourenço recorre aos métodos dos “ditadores fracos”: cria inúmeras estruturas paralelas que entram em concorrência umas com as outras, atropelando-se e concentrando o poder nas suas mãos para decisão última. E, como não pode acorrer a tudo, no final de contas, estabelece mais um governo ineficiente.

No artigo referente à composição do governo de João Lourenço já tínhamos avisado que a estrutura criada “originará confusão e exercício paralelo de poderes”. Agora, esta senda continua. Percebe-se que Lourenço ainda está submetido à tutela de José Eduardo dos Santos enquanto presidente do MPLA, e que não sabe como se livrar dela. Esta manutenção de José Eduardo dos Santos como presidente do MPLA é um anacronismo típico da União Soviética, em que Estaline apenas era “secretário-geral do Partido Comunista”, não ocupando lugar nenhum no Estado, embora comandasse todo o império soviético, inclusivamente o presidente e o governo. Mais uma vez, os tiques estalinistas do partido único vêm ao de cima. Só isto explica que José Eduardo dos Santos não tenha abandonado a presidência do MPLA. A visão é uma apenas: o Partido é o Estado e o Estado é o Partido. Nessa medida, João Lourenço será parecido com Kalinine, que, sendo presidente do Presidium do Soviete Supremo da União Soviética entre 1938 e 1946, o que equivalia à chefia de Estado, nem sequer conseguiu evitar que Estaline prendesse a sua mulher, continuando a assinar todos os decretos que este lhe colocava à frente.

Estas nomeações e este exercício de poder paralelo significam, pelo menos, que João Lourenço não quer desempenhar o papel de Kalinine, mas a verdade é que se arrisca a assumi-lo, e entretanto vai tornando a máquina de governo ainda mais complicada – e sabemos de ciência certa que quanto mais complicada, mais corrupta. (Maka Angola)

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