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Terça, 17 Outubro 2017 08:44

O Estado de Xinguilamento Nacional na “4ª República” do Joãozinho

O filme terminou como previsto: os cidadãos votaram. A fraude eleitoral ocorreu. Os partidos a denunciaram com todas as forças e surgiu um impasse que parecia indicar que desta vez a luta pela verdade eleitoral seria alcançada, a bem do Interesse Nacional. Nada disso. Antes, pelo contrário, os partidos, um a um, demonstraram – mais uma vez – que não passam de empresas familiares (cantinas políticas), por mais que os seus defensores tentem provar o contrário (apresentando argumentos-balela para anestesiarem os incautos e crédulos). A fraude prevaleceu e a "4ª República" nasceu. João Lourenço, o vencedor fabricado, tomou posse. Os “deputados eleitos” tomaram posse. O Povo, este, saiu enganado, usado e derrotado por essa gente que finge governar (MPLA) e que finge fazer oposição (os partidos-negócio). E assim prossegue a vida em Angola, o Estado-negócio.

Por Nuno Álvaro Dala

Ora bem, ontem, 16 de Outubro, João Lourenço fez o seu discurso à Assembleia Nacional sobre o que a Constituição (artigo 118º) designa por “Estado da Nação”. Na verdade, o Presidente da República fez leitura de uma lista enorme de promessas, que ele (por meio do seu governo, recém-constituído) se propõe a realizar durante os 5 anos de mandato que tem pela frente (2017-2022).

Tenho notado que, em menos de 30 dias em funções, João Lourenço tem sido praticamente visto e celebrado como aquele que “está a trabalhar”, que está a “corrigir o que está mal” e que “é diferente”.

Os milhões de cidadãos que há relativamente pouco tempo se indignavam com a fraude eleitoral (que a dita oposição teve de engolir a seco, mais uma vez) são os mesmos que agora já acham que João Lourenço é um reformador – muitos até mesmo o encaram e tratam como uma espécie de Deng Xao Ping africano; outros tantos o vêem como Mikhail Gorbachev. O primeiro foi aquele que, depois da morte do sanguinário Mao Tsé Tsung, realizou reformas que conduziram ao pujante desenvolvimento económico e social da China. O segundo desempenhou um papel instrumental na reestruturação político-económica que, por fim, viabilizou o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em Dezembro de 1991, marcando também o fim da Guerra Fria. Equiparar João Lourenço a Deng Xao Ping (comunista) e a Mikhail Gorbachev (também comunista), além de excessivo, revela uma gritante memória curta dos cidadãos.

O entusiasmo dos cidadãos angolanos perante a figura de João Lourenço é, em parte, compreensível pelo facto de que, depois de 38 anos com José Eduardo dos Santos, o país tem um novo presidente. De resto, toda essa celebração revela uma escandalosa falta de sensatez e argúcia política.

É preciso que as pessoas se lembrem do seguinte:

1. João Lourenço chegou ao poder através da máquina criada por José Eduardo dos Santos para garantir que os seus interesses e os do pequeno grupo que controla o país sob sua direcção sejam mantidos. Ele, João Lourenço, é o guardião de tais interesses.

2. João Lourenço não fará nada que colida com a vontade do antigo ditador José Eduardo dos Santos. Do contrário, sofrerá as consequências de contrariar o seu líder. Ele é um presidente-fantoche, pois não tem controlo das instituições e sectores-chave do País: a Sonangol, as Forças Armadas (Exército, Marinha, Força Aérea), Serviços de Inteligência, Polícia Nacional etc.

3. A vasta maioria das individualidades com quem José Eduardo dos Santos governou Angola continua com João Lourenço, facto que indica que tais dinossauros se mantêm nos cargos para garantirem que João Lourenço governe dentro dos limites traçados de forma clara pelo seu líder partidário.

4. Os ditos “tecnocratas jovens” nomeados e em exercício de funções, apesar de possuírem habilitações e competências, não garantem que nos próximos 5 anos ‘será corrigido o que está mal e melhorado o que o está bem’. Não são estes que detêm o poder político – que determina as mudanças estruturais. Aliás, o simples facto de serem todos eles do MPLA (uma organização que, na prática, é uma máfia), já deveria servir de alerta aos cidadãos. Filhos de cobra são cobras e, quando assim não acontece, é a excepção, não a regra.

5. Até agora, os membros do Governo nomeados e empossados não fizeram a declaração de bens e rendimentos, tal como exige a Lei da Probidade Pública (2010). Se a ideia-força do novo Presidente da República é a mudança, por que ele mesmo e seus colaboradores (auxiliares) não fizeram a necessária declaração de bens e rendimentos? Quanto dinheiro e bens materiais o Presidente da República e membros do seu governo possuem? De onde vieram tais bens e rendimentos? Como podem provar a origem dos mesmos?

6. As supostas “grande mudanças já feitas”, sendo exemplo a extinção do GRECIMA (Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional e Marketing da Administração), não garantem que a gestão do País será estruturalmente diferente do que foi durante os esquecíveis 38 anos de José Eduardo dos Santos. Aliás, na prática o GRECIMA renasceu na forma de SACIIPR (Secretaria para os Assuntos de Comunicação Institucional e Imprensa do Presidente da República).

7. João Lourenço está no poder há menos de 30 dias, tempo extremamente insuficiente para lhe serem cantadas hosanas. Até agora ele apenas apresentou uma mão cheia de promessas.

Quando João Lourenço cumpre com as leis de trânsito, vai a um hospital público “fazer visita”, vai à Ilha e faz exercícios no calçadão “só com dois guardas” e os cidadãos xinguilam e, por causa disso, o acham “diferente” e “aquele que vai mudar o País”, a conclusão é clara: além da memória curta e do desconhecimento dos métodos e estratégias de alienação e imbecilização do MPLA, os cidadãos revelam desorientação e grave incoerência. Ontem João Lourenço representava a continuação no poder em Angola do cancro chamado MPLA e hoje ele já é o “bom presidente”?

Em 38 anos no poder, José Eduardo dos Santos e seu MPLA não conseguiram sequer resolver problemas básicos que afectam a população: água, saúde, electricidade. Em Angola, o país com a quarta maior rede hidrográfica do planeta, os cidadãos (na sua vasta maioria), em pleno décimo sétimo ano do século XXI, não possuem água corrente em casa. Então, como se justifica este xinguilamento nacional à volta figura de João Lourenço?

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