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Quinta, 12 Outubro 2017 14:24

Negócios da fé de vento em popa

Desde que Angola alcançou a paz, em 2002, observa-se uma proliferação desordenada de seitas e movimentos religiosos que vendem e prometem toda a sorte de milagres, curas e salvação em troca de dinheiro. Um fenómeno social que está a marcar o país de forma alarmante.

Actualmente, fundar uma seita religiosa passou a ser um negócio lucrativo para falsos pastores que explorando a fé de muitos fiéis incautos garantem libertá-los de doenças incuráveis, perdoar pecados, expulsar demónios e dar-lhes a prosperidade.

Em Luanda, os municípios de Cacuaco, Cazenga, Kilamba Kiaxi e Viana, de acordo com constatação do Correio Angolense, são as zonas que registam maior propagação do fenómeno com o surgimento desordenado de igrejas e cultos evangélicos em locais improváveis e sem condições de acomodação. Parte das confissões religiosas que espalham o suposto evangelho provém de países como a RDC, Congo-Brazaville, África do Sul, Mali, Nigéria, Quénia e Brasil.

O pastor Nzola João, por exemplo, cuja seita, a Missão Pentecostal Sarça Ardente (MPSA), não está licenciada pelas autoridades, alega que a sua doutrina baseia-se na fé em “Nosso Senhor Jesus Cristo”, apesar de alguns vizinhos e crentes acusarem-no de exagerar nos “dízimos especiais”, cobrados semanalmente.

 “A MPSA crê no senhor, porque milagres não dependem de nós, mas do Pai Celestial que é Jeová. É ele que nos tem dado forças para que libertemos e saremos os crentes que se encontram enfermos”, diz o religioso.

Na “palavra” há 14 anos, o líder da MPSA, que tem a sua igreja num quintal arrendado na rua A do bairro Palanca, município do Kilamba Kiaxi, desmente que os valores arrecadados nos ofertorios semanais sejam para o seu benefício pessoal, sublinhando que o 'dízimo especial' é pago voluntariamente por fiéis interessados em contribuir para a edificação do templo dessa confissão.

Questionado se os cultos e dízimos especiais direccionados não afugentam os crentes, Nzola João assevera que não. ”Ensinamos e mostramos que para a pessoa ser abençoada tem de saber dar o dízimo.”

O Ministério de Arrependimento Sua Santidade “Arrepende-te Angola” é uma das várias denominações ilegais que funcionam em antigos armazéns no bairro Tala Hady, município do Cazenga. Promete solução para várias doenças, do VIH-Sida a cancros diversos, mas em troca, segundo os fieis desta confissão, mensalmente têm de deixar parte significativa do salário.

O líder da “Arrepende-te Angola”, Hermenegildo Noronha, refuta as acusações. “Dizem que nós cobramos dinheiro aos crentes. Não é verdade. Não vendemos fé e muito menos ilusões às pessoas. A nossa igreja resolve os problemas dos fieis na base das orações da congregação e dos pastores, invocando a manifestação do Espírito Santo para a cura e milagres baseados em doutrina bíblica. Os valores das ofertas servem para comprar materiais para a igreja.”

Mpemba Ndongala, 51 anos, de origem congolesa, responde pela Igreja Mundo ao Encontro do Espírito, localizada no Belo Monte, no município de Cacuaco. A pobreza das instalações da denominação, cobertas de zinco, contrastam violentamente com a viatura de marca Lexus e os adereços de ouro que o pastor ostenta. Por isso, antes mesmo de o repórter colocar-lhe alguma questão, já o suposto profeta adiantava-se em desmentidos.

“Foi nesta igreja que eu próprio encontrei a cura e prosperidade para os meus negocio, já há dez anos. Não tinha paz, mas tão logo me converti, tudo mudou”, largou Mpemba Ndongala. “Hoje sou testemunha de como a Igreja Mundo ao Encontro do Espírito transforma vidas e através da fé proporciona curas e milagres nos seus cultos. O pouco dinheiro que conseguimos vem da contribuição dos fiéis e serve para suportar os gastos”, disse Ndongala.

Igreja Católica condena o fenómeno

A Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) faz, entretanto, saber que a Igreja Católica é contra o surgimento de seitas que espalham o falso evangelho. Dom José Manuel Imbamba, vice-presidente da CEAST, considera o fenómeno produto do quadro de transformações sociais que o mundo está a viver. Por isso, hoje o mundo fez do dinheiro o seu Deus e as pessoas usam todas artimanhas possíveis para ganhar dinheiro.

Para o prelado, infelizmente, a religião caiu nas garras de pessoas que encontram nela um produto de consumo como qualquer outro para arranjar dinheiro, daí o proliferar de seitas, sobretudo de origens americanas e congolesas, as de maior incidência no país.

Dom Imbamba sublinha que algumas seitas estão viradas para a propagação de uma espécie de teologia ligada à prosperidade terrena, como aquelas do século XVI que tinham a ver com os calvinistas, e outras tantas que estão a provocar desastres sociais nos núcleos familiares, porque o que focam não é a salvação da pessoa mas a prosperidade terrena.

“Fazem promessas falsas, montam milagres teatrais, inventam adivinhas, acusam pessoas de feiticeiras, criam tantos distúrbios psicológicos, sociais e emocionais nas pessoas”, considera o prelado, aconselhando: “Apesar da proposta de salvação para todos, o importante é não deixarmos que falsos profetas tomem conta da situação.”

O prelado refere que a Igreja Católica não é contra o surgimento de plataformas, mas esclarece que algumas denominações não têm o credo comum, uma doutrina comum, uma filosofia de vida que os uni, contudo congregam-se todos numa plataforma.

José Manuel Imbamba diz que seria bom que as autoridades fossem mais incisivas e que não olhassem o fenômeno religioso no âmbito do aproveitamento político, mas que o vissem antes como um bem para toda a sociedade, rumo à paz social pretendida, colocando-se ordem na nossa sociedade.

O que dizem os especialistas

A transmissão do evangelho por via da comunicação social no país tem vindo a ganhar a ganhar terreno nos últimos tempos, essencialmente pela Rádio e pela Televisão, meios que asseguram uma difusão mais rápida e fácil. Para o comunicólogo Osvaldo Manuel, a evangelização por meio da transmissão audiovisual de cultos não constitui nenhum crime. O crime, diz, “são as supostas promessas milagrosas que esses movimentos religiosos fazem passar para atingir o pacato cidadão”.

Todavia, Manuel aconselha as direcções das empresas de comunicação social a fiscalizarem o conteúdo das mensagens que são transmitidas por essas denominações religiosas, principalmente quando o assunto está relacionado com milagres e curas que são os que tocam directamente os cidadãos indefesos.

Queirós Vicente, advogado, diz que o grande problema está na fiscalização da legalidade dessas seitas que ao seu bel prazer acham que têm de abusar da fragilidade social e económica das pessoas. “Não basta termos a Lei Sobre a Liberdade de Religião, Crença e Culto. O Ministério da Cultura e a Procuradoria Geral da República devem criar equipas que tenha como finalidade fiscalizar ou até mesmo encerrar aquelas que através da mídia ferem as normas constitucionais angolanas”, disparou.

O jurista diz não compreender que num país como Angola nasçam todas as semanas seitas em locais sem condições e aos olhos de quem deve regular a actividade religiosa. Denominações que mesmo carecendo de personalidade jurídica actuam sem nenhum mandado de interdição das suas actividades.

Os dados do INE

Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), colhidos do Censo Geral da População e Habitação realizado em 2014, indicam que a população angolana é constituída actualmente por 25 milhões 789 mil e 24 habitantes, dos quais seis milhões 945 mil e 386 vivem na capital do país, Luanda. Quarenta e um por cento da população angolana professa a religião católica, 38 por cento são protestantes, enquanto 12 por cento dos cidadãos não têm religião alguma. As estatísticas enumeram ainda que há em Angola 0,6 por cento de animistas, 0,4 por cento de islamitas, 0,2 por cento de judeus, enquanto sete por cento frequentam outras denominações não especificadas.

Numa altura em decorre o processo de organização e mapeamento das denominações religiosas para posterior legalização, o Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos (INAR) indica que apenas 81 congregações religiosas estão reconhecidas actualmente, sendo que as restantes funcionam congregadas em plataformas religiosas. A instituição indicou que em 2015 havia cerca de 1.200 seitas funcionando ilegalmente no país, tendo avançado para o seu encerramento compulsivo. Dezenas destas denominações juntaram-se em plataformas comuns e congregações para garantir o reconhecimento e evitaram o encerramento compulsivo. (Correio Angolense)

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