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Sábado, 16 Setembro 2017 21:57

Crônica de um povo usado e derrotado

Uma mentira. A política que tem sido feita em Angola nos últimos 15 anos tem sido uma monumental mentira: M-E-N-T-I-R-A. E tal realidade perversa não tem sido apenas da responsabilidade do MPLA. Os partidos políticos na “oposição” têm sido os cúmplices materiais e formais da ditadura instalada em Angola há lancinantes 42 anos. Basicamente, desde, 2002, de cinco em cinco anos, o partido-estado MPLA e os seus cúmplices UNITA, PRS, FNLA e, a partir de 2012, CASA-CE, têm usado e enganado o Povo em nome do qual cada um dos mesmos alega falar e agir.

Por Nuno Álvaro Dala

Foi assim em 2008. Foi assim em 2012. E é-o novamente em 2017. Registo eleitoral problemático, contratação nebulosa das mesmas empresas (INDRA, SINFIC), auditorias tardias ao ficheiro dos cidadãos eleitores, financiamento tardio aos partidos concorrentes, campanha eleitoral marcada por graves desequilíbrios no tratamento mediático dado aos concorrentes, credenciamento tardio de delegados de lista, inviabilização de observadores eleitorais, criação de assembleias de voto fantasmagóricas, tomada de assalto da fase final do processo pela Casa Militar (agora de Segurança) da Presidência da República. Esta tem sido a caracterização de cada uma das 3 eleições já realizadas em Angola em “tempo de paz”. Os partidos denunciam os vícios, as irregularidades, as ilegalidades e as inconstitucionalidades e, mesmo não constatando a correcção de tais problemas graves, os partidos vão adiante, participam de um jogo já previamente viciado. Desta vez, UNITA e CASA-CE até criaram e puseram a funcionar centros de escrutínio paralelos. Mais do que isto, os seus comissários e os do PRS e da FNLA demarcaram-se dos gravíssimos actos de subversão da verdade eleitoral. Os comissários chegaram até mesmo ao ponto de não terem assinado o documento final lido pelo presidente-fantoche da CNE, onde constavam os resultados definitivos de mais um teatro eleitoral. A descrença dos cidadãos na CNE e nos resultados eleitorais foi nacional, inédita. Em suma, os Angolanos chegaram ao ponto de esperar uma posição coerente e consequente da UNITA, do PRS, da FNLA e da CASA-CE. Desta vez seria diferente, pensou-se. Aliás, a UNITA dizia desde 2013 que já não votaria a tolerar a fraude.

Entretanto, tal como em 2008 e 2012, eis que, um a um – em catadupa –, os partidos, que tanto pediram calma e confiança aos seus militantes e aos Angolanos em geral, têm anunciado formalmente que VÃO TOMAR POSSE, apesar de que ‘não reconhecem os resultados eleitorais’. Quanta contradição! Outra falácia risível é esta: não vão estar presentes na cerimónia de investidura do ilegítimo “presidente eleito” João Lourenço. Os Angolanos (incluindo os do MPLA e os apartidários como eu) se lembram bem de terem ouvido cada um dos mandatários da UNITA, do PRS, da FNLA e da CASA-CE, respectivamente, a dizer à imprensa que as suas organizações partidárias não iriam reconhecer resultados forjados. Na verdade, mesmo sem o terem dito, o impasse que se instalou depois de 23 de Agosto, os representantes dos partidos e coligação deixaram implícito que, desta vez, a oposição que foi se mostrando “unida”, iria ser coerente e consequente. A vez da oposição chegara, pensou-se. Atente-se ao seguinte:

A oposição criticou e denunciou os vícios, irregularidades, ilegalidades e inconstitucionalidades que detectou no processo de registo eleitoral. O Ministério da Administração do Território (MAT), que não tem competência para registar eleitores, não fez quaisquer correcções, pois manter as falhas, ilegalidades e inconstitucionalidades fazia parte da complexa implementação da Teoria da Fraude Eleitoral. Mesmo assim, os partidos até apelaram os cidadãos para que fossem proceder ao seu registo eleitoral ou confirmá-lo, e aceitaram tal quadro de anormalidades e aberrações.

A oposição exigiu que a CNE submetesse o ficheiro de cidadãos eleitores a uma rigorosa auditoria e exigiu que a mesma anulasse a contratação nebulosa das empresas INDRA e SINFIC. A UNITA até mesmo realizou uma manifestação nacional como forma de protesto. A CNE ordenou e a Deloitte fez a auditoria – para inglês ver –, mas não anulou a contratação feita com as empresas referidas. Mesmo assim, os partidos aceitaram tal quadro de anormalidades e aberrações.

A oposição exigiu que todos os seus delegados de lista fossem credenciados. A CNE, porém, deixou milhares deles sem credenciamento, sendo que em muitas assembleias de voto foi notória e ausência de delegados de lista da oposição em geral. Mesmo assim, os partidos aceitaram tal quadro de anormalidades e aberrações.

A oposição exigiu que a CNE fizesse o escrutínio dos votos segundo a Lei Eleitoral. A CNE não satisfez tal exigência e se limitou a publicar os resultados fraudulentos, sendo que a fraude foi anunciada definitivamente a 6 de Setembro. A UNITA e a CASA-CE até mesmo publicaram dados apurados pelos seus centros de escrutínio eleitoral paralelos (onde estão, aliás, estes “resultados paralelos”?). Insatisfeitos, os partidos e coligação levaram a cabo acções de impugnação dos resultados. O Tribunal Constitucional, como era de esperar, chumbou todas as tentativas de impugnação. Mesmo assim, os partidos VÃO TOMAR POSSE!

O exposto serve para demonstrar que UNITA, CASA-CE, PRS e FNLA simplesmente estão a ser iguais a si mesmas: exigem. Suas exigências não são satisfeitas, mas, mesmo assim, aceitam participar nas fases e etapas seguintes do teatro político-eleitoral. São os cães que ladram, mas que não mordem, razão pela qual, a caravana passa. Ou seja, o regime sabe muito bem que os “líderes da oposição” não são sérios, coerentes e consequentes (ladram apenas, mas não mordem) e, por isso, na devida altura, um a um, os partidos e coligação começaram a capitular. Os cães acabam seguindo a caravana.

Todavia, para mascarar o que já não é possível esconder, UNITA e CASA-CE recorrem a argumentos facilmente derrubáveis. Abel Chivukuvuku diz que a política da cadeira vazia não faz parte da estratégia política da sua organização. Isto é mentira, pois ao longo dos últimos 5 anos, os deputados da CASA-CE abandonaram sessões parlamentares em forma de protesto. Quanto a Isaías Samakuva, o seu discurso de justificação da tomada de posse é conversa para boi dormir. Falou da necessidade de a luta ser inteligente e que os jovens devem ouvir os mais velhos. Disse também umas coisas estranhas sobre manifestações. Em primeiro lugar, se a sua UNITA luta mesmo pelo Interesse Nacional, o normal seria não tomar posse por respeito a esse “Povo sofrido de Angola”, como ele mesmo disse. A verdade eleitoral foi subvertida, logo, o Interesse Nacional também e, assim sendo, o lógico seria a UNITA (decidir) não tomar posse e fazer uma luta fora de uma instituição sem legitimidade. Em segundo lugar, não é inteligente atirar areia no rosto do Povo, em claro insulto à sua inteligência, com a alegação de que as manifestações são a única forma de lutar. Quando foi que os Angolanos disseram à UNITA que só havia o recurso à manifestação? O que é mais difícil: não tomar posse como forma de demonstrar respeito pelo Povo, coerência e consequência ou sair às ruas, haver surra, raptos e assassinatos e eventualmente o caos? A UNITA não sabe que a não tomada de posse é uma forma de luta nãoviolenta para derrubar a ditadura? A UNITA se esqueceu de que no parlamento o MPLA continuará dominante? A UNITA se esqueceu que toda a luta, mesmo que pacífica, requer sacrifícios? E ainda quanto à manifestação: às ruas não são para quem tem interesses instalados. São para aqueles que, vendo os mecanismos formais de acesso à mudança bloqueados, enfrentam o regime de peito aberto. Os jovens realmente devem ouvir os mais velhos. Sem dúvidas. Mas que tipo de mais velhos nós devemos ouvir: os da UNITA, que engoliram sapos e rãs em 2008, que engoliram sapos e rãs em 2012 e que engoliram sapos e rãs novamente em 2017? Uma vez é ocorrência, duas vezes é tendência, três vezes é padrão, ou seja, para a UNITA, lutar com inteligência é engolir sapos e rãs sempre, sempre e sempre até engolir também toda a água da lagoa, em nome do “frango na arca”. Este é o padrão de comportamento daqueles que desenvolvem uma luta inteligente?

Efectivamente, já é um insulto aos Angolanos os partidos afirmarem que visam a mudança em Angola em defesa do Interesse Nacional. É mentira: o único interesse dos partidos e coligação é o interesse deles – de grupo. O Povo, este continua a ser usado. O Povo continua a ver lulas e gambas.

A 23 de Agosto de 2017, o Povo foi votar pela mudança, mas, fruto da sobreposição dos interesses de grupo ao Interesse Nacional, o teatro aconteceu mais uma vez. O negócio foi feito. E o povo saiu, mais uma vez, usado e derrotado.

A tragédia do Povo Angolano é esta: os detentores do poder o estupram e os partidos na oposição, por mais que digam o contrário, também são estupradores. A diferença é que conseguem fingir que são os bons do filme.

Assim vai Angola, o país feito Estado-negócio, em que tudo é negócio: MPLA-negócio, governo-negócio, tribunais-negócio e oposição-negócio.

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