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Domingo, 21 Mai 2017 21:00

Operação de encobrimento corre mal

Não havia, desde há quase quatro décadas, um embarque do Presidente não testemunhado pela TPA e outra imprensa pública. Foi aí que o rigor da confidencialidade começou a ruir

Não há dúvidas de que a deslocação do Presidente da República à Espanha, a 1 de Maio, foi concebida para ser uma operação de carácter inteiramente confidencial e apenas conhecida nos seus aspectos mais convenientes, como era a sua ausência do país: mais nada! Além disso, nada era licito dizer no seio da “entourage”.

O Correio Angolense não entra em especulações ao ponto de supor o que quer que seja que tenha estado na origem de tão ríspidas disposições, mas a verdade é que essa foi a primeira vez, desde que iniciaram os périplos presidenciais de José Eduardo dos Santos - há cerca de quatro décadas -, que um embarque não foi testemunhado pela TPA e outra imprensa pública. Foi aí que o rigor dessa operação começou a falhar.  

Para remediar a ausência no aeroporto, no noticiário das 20h00 a TPA usou, sem disso advertir os telespectadores, imagens de arquivo para animar a notícia do anúncio da viagem. Nessas imagens, apresentadas como se tivessem sido captadas naquele dia, sobressaia, entre outras pessoas, o governador de Luanda, Higino Carneiro.

Higino Carneiro teve de beliscar-se para ter a certeza que ele era aquele que assistia ao noticiário da TPA em sua casa e não aquele que aparecia nas imagens a despedir-se do PR

Em casa, a assistir ao telejornal, o governador de Luanda não conseguiu disfarçar grande apreensão, ao ver-se passar num acto no qual não esteve presente. Diz quem presenciou o embaraçoso momento que Higino Carneiro chegou ao ponto de beliscar partes do corpo para ter a certeza de que assistia ao noticiário da televisão a partir de um sofá da sua de estar. E que aquele que passava nas imagens da TPA seria, na melhor das hipóteses, um sósia que partilhava com ele muitas similitudes, nomeadamente na indumentária.

Assustado, Higino Carneiro pegou o telefone e contou o “filme” a pessoas chegadas. Para surpresa dele, as pessoas com quem falou, todas elas membros do Governo, lhe relataram o mesmo, ou seja, que também elas “estiveram” no aeroporto a despedir-se do PR, quando, ate porque era feriado, quase ninguém arredou o pé de casa.

Foi a partir desse episódio, que agora é contado de boca em boca, que o plano de encobrimento do estado em que o PR embarcou para a Espanha começou a ir de mal a pior.

Ficou a saber-se, desde então, que não só as imagens que testemunhavam um José Eduardo dos Santos bem-disposto de receber cumprimentos de despedida vinham de um arquivo já meio poeirento, como também começaram a multiplicar-se as indagações públicas sobre a verdade em torno da saúde do Presidente.

Ninguém dos círculos oficiais se prontificou a trazer a público os argumentos para o secretismo em torno da saúde do Presidente, o que foi deixado para a filha primogénita, a quem se reconhecem todas as credenciais, menos a de falar em nome da instituição presidencial.

Desfeitos os argumentos de Isabel dos Santos e sem outro remédio que não fosse reconhecer uma má avaliação do estado de alma e da evolução da postura cidadã de grande parte da população angolana, a “estrutura” - como é chamado no seu seio o ramo secreto do aparelho de coerção angolano - levará agora uns penosos anos, até uma comissão multidisciplinar concluir que não houveram desenvolvimentos excepcionais no descambar da operação de encobrimento, que não fossem os sentimentos de cidadania e de patriotismo que ligam os angolanos à instituição presidencial.

Correio Angolense

 

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