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Quarta, 06 Abril 2016 21:57

FMI: de crítico da corrupção a parceiro de Luanda

O Fundo, hoje um parceiro, já foi fonte de incómodo para o governo angolano. Tudo começou a mudar a partir do resgate em 2009.

Em 2002, a imprensa internacional noticiava um relatório confidencial que, numa linha designada de discrepâncias “por explicar”, documentava o desaparecimento de perto de mil milhões de dólares dos cofres do estado angolano – o relatório era do FMI.

“Aspectos como a governação e a transparência continuam a ser de séria preocupação, com corrupção generalizada por toda a sociedade”, apontava o relatório, citado num artigo do New York Times. A BBC destacava o facto de o Fundo – que não tinha explicação para o dinheiro em falta – notar a “falta de progresso” em Angola nestas matérias.

O tom duro do FMI em relação à falta de transparência e à corrupção minou a sua influência em Angola e, de um modo geral, em África até à crise financeira de 2008. “Muitos questionaram a relevância do Fundo, especialmente em países que crescentemente se foram virando para os mercados financeiros internacionais”, aponta uma nota do serviço de informação Africa Confidential (“The IMF makes up with Luanda”), publicada em 2010.

Para aqueles países que “asseguraram acordos com a China, o FMI era habitualmente incapaz de competir em termos de oferta”, indica a mesma nota. A China, que procurava assegurar matérias-primas para alimentar a sua economia em ascensão, entrou em África com parcerias e zero perguntas sobre a governação dos países. “Durante anos, o governo de Angola resistiu a acordar com o FMI um programa de financiamento porque minava a sua soberania económica”, explica a mesma nota.

As falhas detectadas pelo Fundo eram danosas para a imagem da política angolana. Em 2001, por exemplo, organizações como a Human Rights Watch aproveitaram a oportunidade para ampliar por mais do que uma vez a admissão feita pelo FMI. O valor – mil milhões por ano – era superior ao recebido por via da assistência externa humanitária ao país, saído de uma longa e brutal guerra civil. O governo angolano negou na altura a existência de “discrepâncias”.

Entra a crise mundial

A situação mudou no pós-crise mundial, que significou também uma queda a pique do preço do petróleo - isto numa altura em que, por outro lado, a política angolana procurava consolidar externamente a sua imagem. Angola negociou em 2009 com o FMI um acordo no valor de 1,4 mil milhões de euros – e o Fundo, nota o investigador Ricardo Soares Oliveira, no livro “Magnífica e Miserável: Angola desde a guerra civil”, mudou de tom.

No relatório da quinta avaliação do programa, publicado em Outubro de 2011, o Fundo identificava de novo um desaparecimento por explicar nas contas públicas: 32 mil milhões de dólares entre 2007 e 2010, cerca de 25% do PIB do país.

Desta vez, contudo, o FMI explicaria que o valor só fora detectado devido à melhoria do controlo das contas posto em prática pelo Governo, avançando meses mais tarde que a diferença se devia a operações com a Sonangol – a petrolífera estatal – fora do perímetro orçamental, “explicando grande parte da divergência”.

“Não há dúvida que o programa entre 2009 e 2010 teve um impacto positivo na gestão económica de Angola, mas [o programa] seguiu os termos de Angola”, aponta Ricardo Soares Oliveira, professor em Oxford. “Luanda descobriu que as formas de implementar as prescrições do Fundo eram compatíveis com os interesses do regime, o FMI tornou-se silencioso sobre a natureza da governação em Angola”, conclui, inserindo a “transformação” da relação com o FMI num processo mais amplo de afirmação internacional do regime angolano.

O segundo programa em seis anos será negociado a partir de Abril, confirmou hoje o ministério das Finanças de Angola. “O Governo irá trabalhar com o FMI para conceber e implementar políticas e reformas destinadas a melhorar a estabilidade macroeconómica e financeira, nomeadamente através da disciplina fiscal”, apontou o país, em comunicado oficial.

Bruno Faria Lopes | Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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