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Segunda, 21 Outubro 2013 15:55

Marcolino Moco: Estado do regime ou Estado da Nação?

Ex-primeiro-ministro de Angola e ex-secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa Ex-primeiro-ministro de Angola e ex-secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

Pedem-me de muitos lados, especialmente da parte dos mais jovens – o que me reconforta bastante, como reconhecimento das minhas contribuições – que comente a última mensagem, sobre o Estado da Nação, do Presidente José Eduardo dos Santos.

Pedem-me de muitos lados, especialmente da parte dos mais jovens – o que me reconforta bastante, como reconhecimento das minhas contribuições – que comente a última mensagem, sobre o Estado da Nação, do Presidente José Eduardo dos Santos.

Na verdade, não me assumo como comentador. Comentadores andam por aí, e muito bons. Alguns deles, infelizmente, impedidos de colocar a sua arte de comentar nos grandes meios de comunicação do Estado, porque este privado por alguns. É verdade que de vez em quando, por insistência dos que mo solicitam, lá vou comentando alguns aspectos da vida económica, social e cultural do país, especialmente quando virados para a vertente jurídico-política, minha especialidade profissional, no mundo do Direito.

Mas, verdadeiramente, o que tenho tentado fazer com alguma insistência, com base na minha experiência única (porque pessoal), nos domínios da realidade angolana, político-partidário, governativo, interno e internacional, tudo isso aliado às possibilidades de contactos interpessoais nos mais diversos níveis, é levantar a questão da viabilidade de uma saída da situação que eu considero perigosa, especialmente em relação ao futuro de Angola, das suas filhas e filhos e de todos os que, de uma ou de outra forma, no mundo, podem estar dependentes dos caminhos trilhados por este país. Entre alguns que comentam as minhas posições e propostas, há a crença de que isso vai compor-se por si, o que a acontecer, desmentindo as minhas preocupações, seria para mim um alívio. Por enquanto, continuo a não acreditar que isso acabe e bem, por si, sem uma iniciativa pacífica assumida.

O problema de Angola e de muitos países africanos, na minha opinião, não são os “faits divers” dos discursos dos políticos, mas os regimes fechados que se insiste em institucionalizar, à margem dos consensos conseguidos historicamente e até da razoabilidade que é um dos pilares maiores da filosofia tradicional africana. Em vez de nos debruçarmos sobre a estruturação de uma forma de Estado que reflicta as nossas realidades, adoptamos rapidamente instituições fácticas e jurídicas que os principais proclamadores internos e externos não aceitam seguir, na prática, nos territórios de África. Agora mesmo o observamos, nas declarações atribuídas ao Ministro dos Negócios Estrangeiras de Portugal e de alguns comentadores, tanto portugueses como  angolanos que acham (ou são levados a achar?) que a ideia de que a Procuradoria Geral da República não recebe orientações do Executivo só serve para Portugal e não para Angola. Também o conceito de segredo de justiça, formulados praticamente da mesma forma nos dispositivos legais portugueses e angolanos, para alguns influentes em Angola e em Portugal, devem ser lidos de forma diferente. Por exemplo, quando em Portugal noticiar o intentar de um processo contra um dignitário do Estado não constituiu em si, qualquer infracção contra o “segredo de justiça” (pelo contrário, pode desencadear situação de pedidos de demissão, fundados na ética e moral públicas) já para Angola vemos que jornalistas são arbitrariamente detidos e por vezes processados, quando não torturados, pelos simples facto de aludirem a suspeitas perfeitamente públicas e notórias, com aparente normalidade.

Na verdade, o que houve de novo, na mensagem deste ano sobre o Estado da Nação, foi o assumir, claramente, que aqueles que se encontram hoje no poder, tem o direito de se apoderarem da maior parte das riquezas deste país, sem prestar contas a ninguém, porque – pasme-se! – também os ocidentais andaram a fazê-lo contra os nossos povos, durante cinco séculos, para procederem à acumulação primitiva do seu capital; e até agora têm aqui empresas (mas estas agora, e só elas, devem sujeitar-se à lei e à ordem do poder, porque são estrangeiras) que levam milhares e milhares de lucros. O que houve de novo é que, desta vez em grande estilo e com batidas na mesa, com uma só cajadada, o Presidente matou vários coelhos de forma magistralmente acertada: nos próximos dias ninguém em Angola, ou em qualquer parte do mundo, vai mais falar  de detenções perfeitamente ilegais e em condições inimagináveis, no século XXI, num país democrático, sem direito a visitas de familiares e de advogados, de miúdos como o “Nito Alves”, com apenas 17 anos; e todos se esquecerão de que nesse mesmo país democrático, com 11 anos da paz de que se diz ser “arquitecto”, quem se manifesta no quadro da lei e de forma pacífica, se tem direito é a umas boas cacetadas, e ai do jornalista que tentar noticiar estas verdades. E por Portugal e Angola, muitos portugueses será vê-los a tremer de medo em relação a uma coisa que nem pode acontecer, e nem foi afinal assim dita pelo Presidente de Angola, por não poder romper relações económicas com um Estado onde a própria filha foi permitida (não se sabe como, perante as normas e as práticas que eu conheço de Portugal e da União Europeia!) a assenhorear-se de uma série de activos e empreendimentos.

Mas não é assim, quando se cria uma cobrinha em casa? Espantar-nos-emos quando ela crescer e começar a picar-nos a torto e a direito? Esta observação que vale para europeus que gostam de sustentar regimes africanos que lhes criam estabilidades conjunturais, para a satisfação de interesses imediatos, com repercussões tenebrosas que ficam adiadas, serve especialmente também para as sociedades africanas. Temos que encontrar formas vigorosas, embora pacíficas, para pormos fim a regimes que se acoitem nas vestes de democracias ocidentais, quando claramente nos remetem para vivências do absolutismo europeu, do fim da Idade Média. O conceito de soberania não deve  permitir que sejamos “colonizados” pelos nossos próprios concidadãos, nem os países amigos o deviam entender assim. A soberania deve servir os povos e não os governantes.

Um comentarista português diz que, apesar de tudo, temos de ter cuidado com a sensibilidade dos “angolanos”, neste momento delicado, em que José Eduardo vai passar o poder ao Engenheiro Manuel Vicente, que mais percebe de economia e gestão. Ingenuidade ou distracção?! Ainda Há pouco, o Presidente de Angola disse, justamente na emissora televisiva desse comentador, que o seu partido ainda não encontrou quem o substitua, depois de 34 anos a dirigi-lo e ao Estado angolano. O problema não é de pessoas. O problema é do regime. No nosso caso, enquanto não se contrariar o sentido das coisas, o regime seguirá como monarquia absoluta de rosto republicano, numa primeira dinastia, em que o próximo monarca filho do monarca actual, já está indicado, e é presidente do Fundo Soberano de Angola, nomeado na mesma semana em que o pai reunia com alguns jovens, em Luanda. É essencialmente por tudo isso ser feito de forma tão abusiva, cínica e descarada, que existe este ambiente de tensão, em Angola,  que leva os jovens mais inconformados à tentativa de confronto, contra este estado de coisas. Esses discursos não são senão apenas uma forma de gerir o tempo.

*Ex-primeiro-ministro de Angola e ex-secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

http://marcolinomoco.com

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