O ex-vice-presidente angolano, Manuel Vicente, goza de imunidade e nem sequer devia ter sido constituído arguido por corrupção de um magistrado do Ministério Público no processo que está agora a ser julgado no Campus de Justiça, em Lisboa. A conclusão consta de um parecer assinado por um professor e advogado alemão, Christian J. Thams, e que foi junto ao recurso que a defesa de Vicente apresentou no Tribunal da Relação de Lisboa a defender precisamente a imunidade do ex-presidente da Sonangol.
O parecer, a que o Observador teve acesso, foi solicitado pelo “Ministério da Justiça de Direitos Humanos da República de Angola” ao jurista alemão que trabalha na Universidade de Glasgow e no Matrix Chambers — escritório de advogados com sede em Londres e delegações em Bruxelas e Genebra.
É precisamente por aqui que o Ministério da Justiça de Angola iniciou a sua consulta ao professor Christian J. Thams, questionando-o sobre se o “vice-presidente de Angola beneficia durante o seu mandato de imunidade em relação a uma conduta ocorrida antes de ter assumido o seu cargo, inclusivamente em relação a uma conduta fora do âmbito das suas funções oficiais?” e se tal eventual imunidade pode “afetar o processo perante tribunais (criminais) nacionais de um país terceiro?
No parecer — entregue em inglês pelo advogado Rui Patrício a 8 de março, mas cuja tradução só foi junta ao processo esta quarta-feira — e a que o Observador teve acesso, Christian J. Thams responde de forma positiva às perguntas angolanas e conclui que a imunidade não se limita a um “círculo restrito” de titulares de altos cargos políticos, mas que deve abranger outros cargos políticos por três razões. Para tal, o jurista refere que devem ter sido em conta dois critérios:
- que os titulares desses cargos políticos ocupem uma posição elevada no quadro da ordem constitucional
- que estejam envolvidos na condução das relações externas dos respetivos Estados
Tendo Manuel Vicente sido vice-Presidente, conclui Thams, então “preenche estes requisitos”, devendo por isso ser-lhe concedida essa imunidade. “O Direito Internacional impõe que os Estados reconheçam essas imunidades, obrigando-os a efetivá-la através da recusa em apreciar o mérito de quaisquer processos instaurados contra quem deles beneficie, o que deve ser decidido no início do processo”, lê-se no sumário a que o Observador teve acesso.
Se tal não acontecer, lê-se nas conclusões do parecer, “tal conduta representará um ato ilícito do Estado que resulta em responsabilidade internacional do Estado do foro”, ou seja, de Portugal.
Tal como num parecer sobre o tema, assinado por Germano Marques da Silva, o jurista alemão considera assim que todos os atos processuais que foram praticados relativamente a Manuel Vicente devem ser arquivados.
Recorde-se que, no início do julgamento do caso Fizz, o coletivo de juízes decidiu que Manuel Vicente seria julgado num processo à parte. Tal deveu-se ao facto de o actual deputado do MPLA não ter sido constituído arguido nem notificado da acusação. Tais diligências foram solicitadas por carta rogatória pela Procuradoria-Geral da República (PGR) à sua congénere angolana mas nunca foram cumpridas por Angola. A PGR de Angola recusou cumprir o pedido de cooperação internacional alegando precisamente que Manuel Vicente tem direito a imunidade enquanto vice-presidente de Angola. Observador