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Sexta, 02 Março 2018 15:23

Até onde irá a ação da PGR no caso desvio de 38 milhões de dólares da Sonangol

Atuação da PGR no caso das supostas irregularidades na anterior administração da Sonangol é vista como uma iniciativa encorajadora pelo jurista Albano Pedro, embora lembre que há igualmente ceticismo.

Em Angola, a PGR abriu um inquérito contra a anterior administração da Sonangol, liderada por Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente do país, José Eduardo dos Santos. Em causa estão várias irregularidades na gestão da petrolífera estatal, denunciadas esta quarta-feira (28.02.) pela atual administração.

Por exemplo, um dos ex-administradores terá desviado 38 milhões de dólares um dia depois de ter sido exonerado. E um dos bancos pertencentes a Isabel dos Santos terá sido usado para o efeito. Outro caso tem a ver com o pagamento de 135 milhões de dólares a consultores em apenas um ano e meio. O presidente da Sonangol, Carlos Saturnino, disse que as consultoras eram em número excessivo e que subalternizavam os trabalhadores angolanos. A DW África falou sobre o caso com Albano Pedro, jurista angolano.

DW África: A seu ver, o inquérito é realmente sinónimo de empenho da PGR ou não passa, como se costuma dizer "de um gesto para o inglês ver"?

Albano Pedro (AP): O procedimento é legal, agora o problema está na coerência do processo, ou seja, na possibilidade desse processo avançar, ser desenvolvido e avançar em sede de tribunal, porque estamos habituados a uma situação em que os crimes públicos e atos praticados por governantes e pessoas da confiança de governantes, como é o caso. Trata-se de uma gestora [Isabel dos Santos] que teve a confiança de um gestor público, estamos habituados a ver esses casos sem avançarem a lado nenhum. Temos poucos exemplos de casos desses que tiveram sucesso, daí esse caso levantar ceticismo. De qualquer forma responde a uma iniciativa encorajadora tendo em conta que ao ser instaurada agora dá um sinal diferente, um sinal que as palavras do Presidente da República, que é o combate à corrupção, não estão a ser veiculadas em vão.

DW África: A serem comprovadas as irregularidades durante o mandato de Isabel dos Santos na Sonangol, um processo contra ela e a sua equipa seria algo próximo da realidade?

AP: Eu penso que sim, e aqui havemos de dividir os tipos de responsabilidade: civis e criminais seriam apuradas enquanto gestores de uma empresa pública e aqueles atos que foram praticados depois de terem cessado o mandato, porque se fala de uma transferência de 38 milhões de dólares, operada já numa altura em que não estava a exercer o mandato. E aqui obviamente aqui o tipo de responsabilidade, seja criminal ou cível, seria apurada de forma diferente. Portanto, estaríamos perante atos imputáveis aos gestores da empresa e os atos imputados às pessoas que exerceram essa gestão. É óbvio que o Ministério Público ao avançar com o processo terá de olhar para essas duas perpetivas, numa em que serão responsabilizados como gestores públicos, e aqui estaríamos a exercer orientações normativas da Lei de Probidade Pública, e não situação em que já não eram gestores públicos seriam responsabilizados no âmbito do direito penal e civil comum, como indivíduos que terão cometido crimes de furto, e no caso até furto qualificado, se se chegar a essa conclusão.

DW África: Os bancos onde Isabel dos Santos tem participações terão sido os bancos preferenciais da Sonangol. Neste caso em que há suspeitas de irregularidades, Isabel dos Santos fica numa situação muito mais complicada...

AP: Penso que a função que ela assumiu como presidente da Sonangol lhe deu a possibilidade de estabelecer uma rede com várias empresas, várias instituições em que havia interesses diretos dela. E uma dessas instituições era o BESA, que era o banco que entra neste circuito, e não só. Isso significa que as irregularidade que foram operadas nessas instituições de alguma forma também responsabilizam Isabel dos Santos, porque acaba sendo no fundo a placa giratória pela qual todas essas instituições geriram meios financeiros de forma ilícita. Portanto, isso não conforta a Isabel dos Santos, muito pelo contrário, coloca-lhe numa situação muito difícil se a PGR e outros interessados avançarem com o processo a fundo.

DW África: E do ponto de vista político, que leitura se faz desta ação da PGR se considerarmos as relações entre o Presidente João Lourenço e o ex-Presidente José Eduardo dos Santos?

AP: Do ponto de vista político as coisas ainda não estão muito claras. Lançou-se uma campanha de combate à corrupção, mas se formos honestos o Presidente da República ainda não avançou com atos vigorosos que demonstrem que efetivamente já se está a combater a corrupção. Basta ver a lei de branqueamento de capitais que foi discutida recentemente e aprovada na generalidade. Denuncia uma espécie de favor para as pessoas que estiverem na condição de detentores de ilícito de capitais. E portanto, nós não estamos ver uma lei que efetivamente penalize, não há ai um sinal de rigoroso de que se está a combater a corrupção. E ao se vir com essa bandeira de se avançar contra Isabel dos Santos, no sentido de se avançar com um processo contra ela, de facto, vai ser o primeiro grande sinal, caso venha a funcionar, de que o Presidente está realmente a combater a corrupção. Quanto à relação com o José Eduardo dos Santos provavelmente aí virá o sinal de que efetivamente a bandeira da bicefalia que se levanta agora é um facto, e de que há, de facto, crispações entre a linha de José Eduardo dos Santos e João Lourenço. Porquanto há outras situações que devíamos ver investigadas e responsabilizados os devidos autores, como é o caso de Manuel Vicente em que o Presidente está e esteve do seu lado, ao passo que para a filha essa situação já não ocorre. Então, o sinal mais evidente é que, de facto, isso há-de demonstrar que há um clima de crispação entre João Lourenço e José Eduardo dos Santos. DW África

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