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Terça, 26 Julho 2016 09:32

Ex-bispo acusa Igreja Universal de desviar de Angola cinco milhões de dólares anuais

Após mais de 30 anos integrado na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), o ex-bispo Alfredo Paulo considera que "nunca é tarde para repor a verdade" e, por isso, criou um canal no YouTube, onde partilha uma série de vídeos sobre o que diz serem "os bastidores da IURD". Nas mensagens, o brasileiro, que falou ao Novo Jornal online, denuncia inúmeras práticas criminosas, incluindo o desvio de milhões de dólares de Angola, sobretudo para Portugal.

Com títulos como "Bispo Alfredo Paulo revelando os segredos da IURD", "Mais crimes cometidos pela IURD", ou "Testemunha viva dos dólares e os crimes da IURD na África", o canal no YouTube do ex-sacerdote da Igreja Universal do Reino de Deus exibe uma série de vídeos sobre os alegados esquemas que sustentam a actividade desta congregação.

"Acredito que nunca é tarde para você repor a verdade", diz Alfredo Paulo, que, por telefone, explicou ao Novo Jornal online porque é que só após mais de 30 anos de devoção resolveu apontar o dedo à IURD.

"Estava reticente por causa do meu filho", conta o brasileiro, acrescentando que, até há cerca de mês e meio, o rapaz, de 19 anos, estava ligado à IURD.

"Tinha receio de falar alguma coisa com ele lá", reforça Alfredo Paulo, contundente nas acusações.

"No ano de 2008, a "Fogueira Santa de Israel" [campanha de entrega de ofertas à igreja em troca de "graças"] girava em torno de 13 milhões de dólares em Angola, dos quais cinco milhões iam para Portugal", aponta o ex-bispo da IURD, num dos vídeos partilhados no YouTube.

A "evasão de divisas", conforme classifica o religioso na conversa com o NJ, foi-se tornando mais expressiva a cada ano, desde a sua chegada a Portugal, em 2002, até à saída, em 2009.

"O dinheiro era transportado de Angola pelos pastores, que viajavam de carro para a África do Sul, de onde os dólares seguiam na maioria das vezes para Portugal, através do avião particular do bispo Macedo [líder da igreja]", reconstitui o antigo bispo, avançando que grande parte das verbas são aplicadas na TV Record.

As alegações, que após várias tentativas de contacto do Novo Jornal - em Luanda e em Lisboa - continuaram sem merecer qualquer comentário da IURD, voltam a lançar suspeitas graves sobre a congregação, já investigada no Brasil por branqueamento de capitais arrecadado em donativos, falsidade ideológica e uso de dinheiro para proveito pessoal.

Possíveis crimes de branqueamento de capitais e fuga ao fisco

Em Angola, a igreja já esteve suspensa, em 2013, na sequência da morte de 16 fiéis no Estádio da Cidadela, no culto "Dia do Fim", que marcou a passagem de 2012 para 2013. O caso acabou contudo por ser encerrado sem a responsabilização dos líderes da igreja.

Agora "a confirmar-se esse cenário" traçado por Alfredo Paulo, "podemos estar perante vários tipos de crime, sendo os mais graves a fuga ao fisco e branqueamento de capitais", analisa o advogado Albano Pedro, em declarações ao Novo Jornal.

"A fuga ao fisco ocorre quando a saída de capitais não percorre as tramitações legais, com o pagamento dos impostos previstos na lei", esclarece o jurista, acrescentando que "o branqueamento de capitais acontece porque estas pessoas são obrigadas a encontrar justificações falsas para que o dinheiro possa ser explicado no destino, forjando a licitude da origem".

Para Albano Pedro, "o suborno é também uma possibilidade" a considerar, porque é natural que "a saída do país de tanto dinheiro tenha a ajuda de terceiros, que podem ser autoridades nacionais, definindo a lei que o crime é praticado por quem suborna".

A hipótese não é contudo abordada nos vídeos do ex-bispo da IURD, que, ao NJ, revela desconhecer o envolvimento de entidades estatais ou governantes angolanos nos supostos desvios.

"Se existirem pagamentos para facilitar a movimentação do dinheiro, estando aqui ambos os lados a cometer o crime - porque a lei responsabiliza as duas partes -há também que não excluir a possibilidade do crime de corrupção", adianta Albano Pedro.

O caso pode ainda enquadrar uma situação de burla, "se o dinheiro foi entregue à igreja pelos fiéis - perante um pedido feito para determinado fim, seja um projecto ou uma campanha de ajuda, por exemplo - e depois desviado para outros". A burla pode ainda ser qualificada, "tratando-se de obtenção de lucros ilícitos significativos com prejuízo de outros através de engano".

Albano Pedro lembra igualmente que o furto - "porque se trata de património da igreja que é retirado sem justificação" - e o enriquecimento ilícito também podem ser para aqui chamados. "Se o dinheiro for parar a mãos de pessoas sem que para isso tenham quaisquer justificações, resultando num eventual aumento elevado de património".

A gravidade das acusações é reiterada por Alfredo Paulo, que apela à verificação das contas da IURD em terras lusas. "A partir do momento em que os dólares chegavam a Portugal, entravam como se fossem dízimos e ofertas do país", recorda o brasileiro, sublinhando que depois da "injecção", o bispo Macedo dava orientações sobre como o dinheiro seria distribuído.

"Quando cheguei a Portugal a igreja não tinha conta em dólares, mas depois descobriu que podia e passou a ter uma. Vão lá ver. Mesmo que tenham encerrado, fica sempre o rasto bancário", desafia o ex-bispo da IURD, que lembra que a moeda usada em Portugal é o euro.

"Mesmo que um ou outro fiel faça donativos em dólares, nunca seria de milhões", defende.

Afastado da IURD há três anos, o religioso apenas lamenta ter demorado tanto tempo para agir. "Só tive conhecimento do esquema quando cheguei a Portugal [2002], e é claro que no fundo sabia que estava errado. Mas o bispo Macedo falava que valia fazer aquilo pela obra de Deus, e eu queria acreditar", remata Alfredo Paulo.

NJ

 

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