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Quarta, 17 Junho 2015 09:40

Sonangol é o motor do Estado-sombra em Angola - Tom Burgis

A petrolífera angolana Sonangol é o motor de um Estado-sombra no país, que opera à margem da lei e que foi criado e responde diretamente apenas às mais altas figuras políticas de Angola, defende o jornalista britânico Tom Burgis.

A petrolífera angolana Sonangol é o motor de um Estado-sombra no país, que opera à margem da lei e que foi criado e responde diretamente apenas às mais altas figuras políticas de Angola, defende o jornalista britânico Tom Burgis.

Em entrevista à Lusa em Londres, o autor do livro "A Pilhagem de África" defende que a Sonangol foi criada inicialmente para conseguir financiar o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), mas que com o passar dos anos acabou por ser a mais importante empresa nacional, controlada diretamente pelos principais responsáveis políticos e fugindo ao controlo das autoridades.

"Para manter o MPLA a andar, tinham de criar uma empresa que corresse bem. A Sonangol é uma das melhores empresas africanas e mundiais, e foi Manuel Vicente [vice-presidente de Angola], treinado aqui em Londres, que foi geri-la. A partir de 2002 começa a ser óbvio que o MPLA vai ganhar a guerra, e portanto a empresa pode privatizar-se, já não precisa de financiar a guerra, e torna-se o motor deste Estado-sombra", defende o autor, jornalista de investigação no britânico Financial Times.

"As instituições formais, como o Ministério das Finanças ou o Banco Central, mantêm-se, mas a Sonangol é um Estado dentro de um estado, e responde diretamente aos senhores do 'Futungo' [alcunha que designa o círculo do Presidente angolano]: José Eduardo dos Santos, 'Kopelipa' e Manuel Vicente", diz Tom Burgis, que foi durante anos correspondente do FT em vários países africanos.

O livro tem 341 páginas e dedica 26 a Angola, em que se retratam as ligações entre os dirigentes angolanos e as grandes petrolíferas ocidentais, bem como o avanço da China e as enormes desigualdades num país onde "uma sandes normal custa 30 dólares, mas a maioria da população vive na pobreza".

"A Pilhagem de África", explica o autor, "começa com a ideia de que há uma maldição dos recursos, e mostra que os sítios mais ricos em recursos naturais caíram sempre em golpes de estado, guerras, violência interna, corrupção, opressão, e o padrão está mais exacerbado em África".

O continente africano, acrescenta, é normalmente olhado como mais pobre, mas é o mais rico, tem um terço de todos os recursos naturais, "mas os padrões de vida são terrivelmente baixos", tentando mostrar que "a maldição dos recursos' não é um acidente, nem um conceito abstrato, é um sistema concreto de pilhagem que liga políticos locais, autoridades de segurança, intermediários, empresas petrolíferas e os consumidores dos materiais recolhidos em África".

Como? A explicação é simples: "O livro explora as ligações entre o poder político, que está concentrado em poucas pessoas, e mostra que os Estados de recursos [naturais] não precisam de taxar as pessoas, portanto não precisa de pedir apoio, de governar para as pessoas, só precisa de manter o fluxo de dinheiro a vir", diz Tom Burgis.

O livro, escrito como se fosse uma longa reportagem, apresenta um conjunto de indicadores para sustentar que a riqueza africana não está a ir para os africanos, mas sim para uma pequena elite composta pelos privilegiados locais e pelos investidores e pelas grandes empresas internacionais, "que apresentam-se como tendo grandes regras contra a corrupção, grande controlo, mas depois chegam a África e dizem que há estes 'africanos malucos e corruptos' a tentarem tirar-lhes dinheiro do seu bolso".

Um dos exemplos do livro, que já tinha sido retratado nas páginas do Financial Times, tem a ver com a norte-americana Cobalt, que explorou petróleo em Angola em associação com a Nazaki, uma empresa que era detida parcialmente por Manuel Vicente, Fragoso do Nascimento e o Chefe da Casa de Segurança do Presidente, general Hélder Vieira Dias Júnior 'Kopelipa', sendo que Manuel Vicente era na altura presidente da Sonangol, que atribuía as licenças de exploração e escolhia os parceiros locais das petrolíferas internacionais.

"A esfera pública e privada é indiferente para estes senhores do 'Futungo'”, conclui o autor no livro, traduzido para português pela editora Vogais.

Lusa

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