Manuel Palos, diretor do SEF, era conhecido no âmbito da investigação por "dez por cento". Isto a propósito de uma frase sua apanhada numa escuta telefónica e que o Ministério Público e a Polícia Judiciária acreditam ser uma referência clara aos valores que cobrava de comissões em troca de um aval seu na atribuição de determinados visto dourados – e que implicavam investimentos milionários no imobiliário por parte de imigrantes, sobretudo chineses e angolanos.
De resto, cidadãos angolanos estão também envolvidos enquanto intermediários, que fazem angariação de clientes de vistos dourados para Portugal, no esquema de recebimento de luvas. Um dos suspeitos é um empresário de Angola com estreitas ligações ao governo daquele país, uma vez que foi consultor do Ministério da Justiça em Luanda e chegou a colaborar num protocolo que envolvia o ministério homólogo em Portugal, tutelado por Paula Teixeira da Cruz. Este empresário tem ligação direta a António Figueiredo, presidente do Instituto dos Registos e Notariado, onde se concentra o grosso da investigação da PJ. O mesmo angolano tem ainda empresas em Portugal, na zona de Leiria.
Em investigação estão também as colaborações de quatro outros funcionários do IRN que chegaram a ir a Angola dar formação no âmbito de um protocolo entre os dois ministérios da Justiça. Os mesmos funcionários terão colaborado numa das empresas do empresário angolano que é amigo de António Figueiredo. O trabalho seria justificado no âmbito do referido protocolo e pago pelo Ministério português da Justiça, mas tinha como finalidade trabalho privado e ligado aos vistos dourados.
Também empresários chineses – ontem foram detidos três – são suspeitos de envolvimento no esquema de corrupção. Angariavam imigrantes interessados em vistos gold e eram cúmplices no inflacionar do valor dos imóveis. Milionários chineses que para terem vistos precisavam de fazer investimentos superiores a 500 mil euros pagavam pelos imóveis preços muito superiores aos de mercado, o que gerava margens de lucro brutais que permitiam o pagamento de luvas a vários níveis.
No caso dos chineses, a banalização das luvas no país natal facilitou o esquema. Os empresários consideravam que se não pagassem milhares de euros ‘por fora’ nunca veriam o seu processo ser tratado rapidamente.
PCP e BE querem Portas na comissão parlamentar
O PCP e o BE já requereram a presença urgente do vice-primeiro-ministro Paulo Portas na comissão parlamentar de economia para discutir os vistos gold. O PS, mais cauteloso, disse apenas que irá acompanhar com a maior atenção estes acontecimentos, que considera muito graves. Vieira da Silva, vice-presidente da bancada socialista, acrescentou que o partido atuará "com a reserva necessária em relação a um processo que ainda está a dar passos e que não permite para já que se disponha da totalidade da informação".
Durante a apresentação do mais recente balanço sobre o programa, Paulo Portas realçou que em dois anos os vistos superaram todas as metas a que o Governo se tinha comprometido, contribuindo para a recuperação do mercado imobiliário e impulsionando o turismo.
"Os chamados vistos gold superaram até hoje todas as metas que tínhamos estabelecido: em 2013, cerca de 300 milhões de euros, o que ficou 50 por cento acima do objetivo que tracei no Parlamento; e, em 2014, já estamos muito acima dos 500 milhões de euros que tínhamos projetado", afirmou o vice-primeiro-ministro.
O primeiro escândalo envolvendo os vistos gold foi conhecido em março, quando um chinês com mandados de captura internacionais foi preso pela Polícia Judiciária.
A dúvida ficou sempre: como foi possível emitir o visto dourado a um cidadão alvo de uma investigação na China?
CM