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Segunda, 19 Novembro 2018 13:31

Órfãos do 27 de Maio de 1977 pedem a João Lourenço restituição dos restos mortais das vítimas

Os órfãos da repressão à alegada tentativa de golpe de Estado em Angola em 27 de maio de 1977 reiteraram hoje o pedido ao Presidente angolano de restituição dos restos mortais e elaboração de uma lista de desaparecidos.

A propósito da visita de Estado a Portugal, de quinta-feira a sábado, do Presidente angolano, João Lourenço, os órfãos voltaram a pedir em carta aberta "a realização de exames de ADN às ossadas das vítimas e a sua restituição às famílias para que lhes possam dar sepultura digna".

Os 24 signatários pedem ainda a constituição de uma lista com os desaparecidos, a criação em Luanda de um memorial de homenagem às vítimas e a emissão de certidões de óbito e respetiva entrega às famílias "em conformidade com a declaração do bureau político do Movimento Popular de Libertação de Angola", datada de 26 de maio de 2002.

Os órfãos já tinham endereçado a mesma carta em maio de 2017, aquando dos 40 anos da repressão, ao então Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, mas não obtiveram resposta, pelo que voltaram agora a enviar o documento.

A 27 de maio de 1977, há 41 anos, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada por Nito Alves - ministro do Interior desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime do então Presidente angolano, Agostinho Neto.

Seis dias antes, a 21 de maio, o MPLA expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro, com vários apoiantes, a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros seus simpatizantes, assumindo, paralelamente o controlo da estação da rádio nacional, na capital, ficando conhecidos como "fracionistas".

Entre os 11 nomes dos responsáveis, divulgados então pelo Governo, estavam Nito Alves, José Van-Dúnem e a sua mulher Sita Valles, militante da União dos Estudantes Comunistas (UEC) em Portugal e que passou a militar no MPLA em meados de 1975. Os seus corpos, bem como os dos restantes, nunca foram entregues às famílias, nem emitidas certidões de óbito.

As tropas leais a Agostinho Neto, com o apoio de militares cubanos, acabaram por restabelecer a ordem e prenderam os revoltosos, seguindo-se, depois, o que ficou conhecido como "purga", com a eliminação das fações, tendo sido mortas cerca de 30 mil pessoas, na maior parte, sem qualquer ligação a Nito Alves, tal como afirma a Amnistia Internacional (AI) em vários relatórios sobre o assunto.

Numa declaração sobre o assunto, em maio de 2002, o bureau político do MPLA deixou de usar a expressão "golpe de Estado", mas refere-se apenas aos "acontecimentos" motivados pela "atitude de alguns dos seus militantes que (...) conduziram uma ação de contestação aos órgãos de direção do partido e do Estado, utilizando componentes de violência com excessos visíveis" e considerava que estava "virada mais esta página" da História de Angola.

"Hoje, como ontem, exigimos ser ouvidos, pelo nosso bom nome e pelo bom nome dos nossos pais, nacionalistas de Angola. Para tal, demandamos que se abra imediatamente e sem retrocessos, o diálogo, a assunção da culpa, o exercício da justiça, o perdão e reposição pública do bom nome daqueles a quem o Movimento Popular de Libertação Angola, a 27 de Maio de 1997, guilhotinou com sangue", escrevem.

Na carta original, que tem como primeiro subscritor o filho de José Van-Dúnem e Sita Valles, João Van-Dúnem, os órfãos consideram que "a ferida do 27 de Maio de 1977 continua bem aberta pelo país" e defendem que "o destino de Angola vai estar totalmente ligado à compreensão e superação da sua história".

"Por isso, manteremos a nossa fé de que o país celebrará, em tempo útil, o passado digno daquelas mulheres e homens que, com lealdade à Pátria, procuraram edificar uma sociedade melhor", escrevem.

Os subscritores da carta consideram que "das vítimas e das circunstâncias em torno da sua morte o país pouco sabe" porque "essa parte do passado que foi o 27 de Maio de 1977 foi apagada da história [de Angola] pela imposição forçada da amnésia coletiva".

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