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Quarta, 19 Setembro 2018 15:30

Do General Dino a Kopelipa: outros tubarões do eduardismo no radar de João Lourenço

Legitimado pelo congresso do MPLA, o novo PR não perdeu tempo e deflagrou uma nova fase da cruzada contra a corrupção.

É diferente daquela em que os arremessos foram essencialmente contra os filhos de José Eduardo dos Santos e visou, sobretudo, moralizar o poder e assumir o controlo de instituições de suporte financeiro do Estado como a Sonangol e o Fundo Soberano. O ‘isco’ usado para uma primeira investida é o banqueiro Álvaro Sobrinho. Está visto, porém, que esta nova vaga de ataque não só não está suficientemente oleada, como os eduardistas ainda podem ter trunfos guardados para um contra-ataque. Ou, como diria o outro, o papagaio foi lançado, mas não está afastado o risco de ‘dar antum’.

Decorridos dez dias da entrevista que Álvaro Sobrinho concedeu ao Canal 1 da TPA, já não restará ingénuo algum por estas paragens que ainda pense que foi ele, sozinho, a armar o ambiente de alvoroço que se tem visto. Como disse o deputado da UNITA Maurílio Luiele – um dos primeiros a posicionar-se na fila da frente e considerar que foi coisa encomendada – ‘argo argum’ havia na estória e o banqueiro só podia “estar protegido” para ter ousado “abrir o bico e vomitar copiosamente” todo o conteúdo corrosivo dessa entrevista.

Mas mais do que a constatação elementar de que a entrevista de Álvaro Sobrinho à Televisão Pública de Angola foi realmente uma encomenda, do que também não se duvida é que foi o tiro de largada de uma investida de João Lourenço contra outro leque de grandes figuras que usaram o erário para enriquecer indevidamente, que não apenas os filhos do anterior presidente.

Confirmado quase por aclamação na liderança do MPLA, no pós-congresso, João Lourenço sentiu-se legitimado para fazer avançar um pouco mais as peças da sua cruzada contra a corrupção, tratando talvez de materializar a promessa feita no discurso de Estrasburgo em Julho último, de que em breve estaria preparado para apresentar resultados mais palpáveis. Isso passaria por trazer à tona outros nomes que não apenas os de Isabel dos Santos ou José Filomeno dos Santos ‘Zenu’, que já quase se tornaram triviais e corriqueiros como ‘amostras’ da sua disposição de levar por diante a cruzada contra a corrupção.

Neste sentido, pode dizer-se que a aparição de Álvaro Sobrinho no teatro das operações terá representado apenas uma espécie de fogo de barragem – granadas de fumo lançadas contra a trincheira onde se encontram alojadas figuras tais como os generais Leopoldino ‘Dino’ do Nascimento, Manuel Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’ e o ex-secretário-geral do MPLA Paulo Cassoma. Tudo isto para ver o que acontece já que é também sobre as duas primeiras figuras sobretudo que têm convergido os olhares da opinião pública e dos cidadãos em geral, esperando que João Lourenço os coloque igualmente no radar da sua investida.

Peças fortes da entourage do antigo Presidente da República e do regime deste, o “eduardismo”, os generais Dino e Kopelipa constituíram, junto com o ex-vice-presidente Manuel Vicente, um triunvirato cujas fortunas reunidas totalizariam a maior de Angola. A economista Maria Luísa Abrantes ‘Milucha’, mãe de Córeon Dú e Tchizé, não tem desperdiçado a mais pequena brecha ou ocasião para pedir que as pessoas não se fixem apenas nos filhos de José Eduardo dos Santos. “Eles não são os únicos que se tornaram ricos em Angola”, afirmou ela, recentemente, num programa da estação radiofónica MFM, insinuando que era preciso virar-se para outras figuras graúdas do regime eduardista. Juntando-se aos esforços da mãe, a própria Tchizé também já fez questão de lançar farpas contra o general Kopelipa.

As hostes de João Lourenço acusaram o toque e trataram de avançar um pouco mais na refrega. Para tanto, accionaram a rescisão do último grande contrato que a multinacional suíça Trafigura mantinha no mercado angolano de hidrocarbonetos. O ataque à Trafigura significou outra investida ao bunker do general Leopoldino Fragoso do Nascimento. Dino também tem ligações à multinacional suíça que, com o fim do contrato, perde em favor da francesa Total a hegemonia não apenas no fornecimento de produtos refinados, mas também na sua distribuição. Operando através da subsidiária Puma Energy International, a Trafigura detém a rede de bombas de combustíveis Pumangol.

Mas embora este primeiro fogo de barragem tenha atingido em cheio o bunker de Kopé e Dino – aonde terá provocado algum desconcerto devido ao factor antecipação, uma arma que é sempre poderosíssima –, em última análise constata-se, apesar de tudo, que o ataque pode ter sido insuficiente para gerar o efeito de debandada que se esperava nas hostes eduardistas. Como diria o outro, o papagaio foi lançado, mas corre riscos de ‘dar antum’.

Atordoados com o ataque que quase os apanhou com as calças nas mãos, Dino, Kopé & companhia nem por isso se descompuseram, mantendo-se quietinhos no reduto onde se encontram. Até ao momento, apenas esboçaram uma tímida resposta por via do comunicado dos accionistas do Banco Económico, a sucessora do BESA. O comunicado diz muito pouco, é certo. Mas, em face das circunstâncias, até se pode considerar que essa resposta contida terá sido a mais adequada, não tendo a ala eduardista necessitado de largar o arsenal todo que se supõe que esteja guardado para alguma investida lá mais para a frente.

Com tudo para justificar alguma movimentação mais visível – e enérgica – por parte das instituições judiciais, as graves acusações esgrimidas por Álvaro Sobrinho não lograram trazer à rua a Procuradoria-Geral da República. Acresce que o Banco Nacional de Angola, a mais alta instância financeira do Estado, ficou-se por uma declaração informal do governador José de Lima Massano, esse que além de ter desmentido Álvaro Sobrinho – que afirmou na entrevista à TPA que a falência do BESA se devera a interferência política e não por insolvência – veio corroborar os argumentos esgrimidos pelos accionistas do Banco Económico. Governador do banco central angolano à data dos factos, Lima Massano sustentou que as medidas de intervenção estatal naquele banco privado foram desencadeadas num quadro de total transparência.

Diante de tudo isso, a conclusão óbvia é que apesar de ter deflagrado uma nova fase do conflito, diferente daquela em que os arremessos foram essencialmente contra os filhos de José Eduardo dos Santos e esteve sobretudo em causa assumir o controlo de instituições de suporte financeiro do estado angolano, como a Sonangol e o Fundo Soberano, a ala lourencista ainda parece titubear. Uma espécie de para-arranca e esperar para ver a reacção do adversário.

Assim, tudo indica que os lourencistas não terão, para já, reunido suficiente arcaboiço institucional para sustentar esta nova incursão contra os eduardistas. Se a PGR não se descose e o banco central sai em defesa dos adversários, isto só pode significar que eles ainda não podem cantar vitória e deverão mesmo resguardar-se de algum contra-ataque do lado contrário que, possivelmente, ainda só estará a limpar as armas. CA

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