Sexta, 19 de Abril de 2024
Follow Us

Terça, 26 Junho 2018 11:22

Ainda sobre o encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un...

O mundo inteiro assistiu com suspense e alívio aquele que pode ter sido o encontro mais esperado e inesperado dos últimos anos: O presidente norte-americano (Donald Trump) foi ao encontro do Presidente norte-coreano (Kim Jong-Un) na Singapura a 12 de Junho. Foi tão bonito ver os dois líderes entre apertos de mão e sorrisos, trocando elogios e convites mútuos para ambos visitarem o país do seu homólogo. 

Por Ulisses Lufundisso

Mas espera aí! Não foram esses dois que fizeram o mundo entrar em 2018 com o receio de uma guerra nuclear a escala global?  Quem não se recorda dos discursos inflamados do ‟homem foguete” (Kim, segundo Trump) de que iria aniquilar os EUA   e as publicações ameaçadoras no Twitter do ‟velho tonto” (Trump, segundo Kim) dizendo que iria acabar com o regime norte-coreano? Na mensagem de ano novo Kim anunciou que o botão nuclear estava por cima de sua secretária e Trump respondendo que o seu botão era maior que o de Kim. Pois é, houve uma mudança drástica nas suas intenções… ou não.

Na verdade, eu sempre defendi que se tiver que acontecer uma guerra a escala global, terá o seu início no Médio Oriente onde a situação é mais crítica do que aparenta. Kim Jong-Un, demonstrou ser mais inteligente do que parecia e mais a frente eu explicarei porquê. Iniciar uma guerra contra os EUA, não é uma decisão inteligente, e é isso que o Kim aparentava querer fazer. Os EUA são a maior potência política, cultural, económica e militar do mundo, ou seja, a única superpotência desde o início da última década do séc. XX. Portanto, repito, iniciar uma guerra contra os EUA não é uma decisão inteligente e um ataque Nuclear contra os EUA ou seus aliados, seria respondido com uma brutalidade assustadora que resultaria na destruição total da península coreana, facto este que os dirigentes norte-coreanos sempre souberam.  Kim Jong-Um esforçou-se para chegar a esse ponto (cimeira com Trump). Aquela retórica belicista não passou de um toque de mestre para alcançar o seu objectivo que era negociar com os EUA. O que será explicado em dois pontos.

 Primeiro, ele precisava ganhar o respeito e poder dentro do regime norte-coreano, visto que ascendeu ao cargo de presidente em 2011 após a morte de seu pai. Sendo tão jovem (28 anos na altura) tinha que mostrar que merecia estar aí, que é o líder que o regime precisava. Portanto, nada melhor do que realizar testes nucleares e ameaçar repetidamente de aniquilação total os EUA e seus aliados, no caso a vizinha Coreia do Sul e o Japão.

Segundo, ele tinha que provar aos EUA e ao ocidente em geral que é uma peça a ter em conta no xadrez político internacional, para depois conseguir levar os EUA a sentar-se com ele na mesa de negociações sendo tratado com respeito. Não podia simplesmente ascender ao cargo e dizer que quer negociar a paz, pois seria visto como débil tanto na esfera interna como externa e não teria margens para fazer manobras. E conseguiu. Após a cimeira, os EUA suspenderam os exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul, facto que era visto como ameaça pelo regime de Kim. 

Já o Trump, soube aplicar na prática os conselhos de Sun Tzu em ‟A Arte da Guerra” sobre o cerco ao inimigo, onde diz que «quando cercares o inimigo, dá-lhe espaço para se render e negociar a paz, caso contrário, irá lutar até a morte», e não existe inimigo mais perigoso do que aquele que sente não ter nada a perder e sendo o inimigo abastecido de armas químicas e nucleares, todo o cuidado é pouco como se diz na gíria. Portanto, Trump reforçou as sanções económicas contra a Coreia do Norte no âmbito do Conselho de Segurança da ONU, asfixiando ainda mais a já débil economia norte-coreana, forçando até a China a suspender a venda de petróleo ao seu aliado precioso. Com isso, a crise económica e social na parte norte da península coreana agravou-se. Mas Trump, seguindo a lógica de Tzu, deixou sempre aberta a possibilidade do diálogo com o seu inimigo de bate-boca (como dizem os brazucas), aliás, mesmo durante a sua campanha eleitoral, o «velho tonto» fez duras críticas aos seus antecessores na presidência, afirmando que eles não souberam lidar com o «homem foguete» e se possível iria mesmo a Coreia do Norte conversar com ele.

Toda essa retórica belicista entre Trump e Kim, foi uma estratégia de ambos com o intuito de convencer o outro de que o diálogo era o melhor caminho. E... Voilá! Chegaram a Singapura com sorrisos rasgados. Mas o Kim que seja esperto e não se deixe enganar, pois, o Trump já provou ser alguém que num estalar de dedos se desfaz dum acordo (o Irão que o diga). E mais, todo esse cenário bonito já se assistiu anteriormente com Sadam Hussein no Iraque e Khadaffi na Líbia, curiosamente dois líderes de regimes autoritários que acabaram mortos de forma humilhante e cujos países vivem um caos tremendo. Mas o que Khadaffi e Sadam têm a ver com Kim? Pois é. Ambos também foram detentores de armas químicas – Khadaffi até estava a desenvolver armas nucleares com o apoio da Coreia do Norte e Irão – e experimentaram sanções de várias formas, também ameaçaram aniquilar os EUA, mas no final acabaram por dormir com o inimigo, desfazendo-se da sua única garantia de não serem invadidos (armas químicas e nucleares) e todos sabemos como suas histórias terminaram.

Todavia, ainda é muito cedo para derramar champanhe e lançar fogo de artifícios, mas de uma coisa é certa: história foi feita. Agora resta-nos aguardar pela cena dos próximos capítulos dessa novela entre o velho tonto e o homem foguete. 

Ulisses Lufundisso, Licenciado Em Relações Internacionais.

Rate this item
(0 votes)