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Quarta, 27 Dezembro 2017 09:34

O Angosat 1, os Angoproblemas e a necessidade da contenção na hora da farra

O primeiro satélite angolano (Angosat), lançado às 20h00 de ontem, 26 de Dezembro (data e hora de Angola) em Baikonur (Cazaquistão) constitui indubitavelmente uma resposta ao imperativo de serviços de telecomunicações de maior qualidade e acessibilidade. É seguramente um marco. O satélite funcionará em regime experimental até Março de 2018.

Por Nuno Álvaro Dala

O lançamento do Angosat (um projecto que custou mais 300 milhões de dólares) está a produzir as mais diversas expectativas entre os cidadãos. Estas expectativas são congruentes com o discurso das autoridades, que pretendem alcançar os seguintes objectivos com o Angosat:

  1. Aumentar a cobertura nacional, melhorando serviços de telecomunicações e tecnologias de informação, com destaque para as zonas mais recônditas do pais – aumento do negócio dos operadores, inclusão digital;
  2. Possibilitar aos operadores nacionais de telecomunicações o pagamento do segmento espacial em Kwanzas;
  3. Arrecadar divisas para o País, por via da venda de segmento espacial a operadores de telecomunicações estrangeiros;
  4. Propiciar a criação de pequenas empresas, particularmente nas zonas mais recônditas;
  5. Criação de competências nacionais no ramo da engenharia e tecnologia espacial.

De facto, cidadãos e governantes estão mergulhados num clima de farra nacional por Angola ter finalmente o seu satélite – 42 anos depois da Independência.

Entretanto, é necessário que o clima duplamente festivo (celebra-se o lançamento do satélite em ambiente das festas de fim de ano) não descure os seguintes factos:

  1. a) Angola possui problemas crónicos de falta de energia eléctrica, situação que torna difícil desonerar, ou seja, diminuir os preços das telecomunicações, pois as empresas operadoras e outras instituições recorrem aos geradores para que mantenham os sistemas a funcionar. O próprio centro de monitoramento do Angosat, localizado na Funda, fez acompanhamento do acto de lançamento não se fiando à rede pública de energia, tendo à sua disposição um gigantesco grupo-gerador;
  2. b) Há uma gritante falta de suporte operacional;
  3. c) O nível técnico dos operadores dos sistemas ainda é baixo em relação aos desafios trazidos pela realidade de satélite próprio (note-se, aliás – por exemplo –, o erro quase inacreditável do engenheiro convidado pela TPA, que fazia os comentários e esclarecimentos durante o acto de lançamento do satélite: ele disse que a duração do satélite no espaço, a vida útil, depende do combustível do mesmo, quando se sabe que os satélites se alimentam de energia solar...);
  4. d) Não existe uma alternativa (backup) para o caso de ocorrência de algum problema no Angosat – facto que concorre a desfavor da pretensão de venda dos serviços do Angosat no estrangeiro. Angola terá apenas o Angosat 1, enquanto que existem ofertas de serviços de operadores que têm uma frota de satélites, dando aos clientes alternativas em caso de falha em um dos satélites. Algumas pessoas certamente se lembrarão do caso do satélite israelita AMOS 5, que há cerca de ano e meio saiu de órbita subitamente. Alguns anos atrás foi o caso do desaparecimento do satélite nigeriano.

Fica então claro que deve haver moderação nas expectativas. Trata-se na verdade de uma moderação que, como se infere, se baseia na realidade angolana. Além dos 4 factos que descritos acima, os cidadãos devem ter em presença outros factos fundamentais, a saber:

  1. e) Quando a Barragem de Kapanda foi inaugurada, as autoridades apresentaram o empreendimento como um dos maiores de África e equipado com a mais alta tecnologia disponível. Prometeram o fim dos problemas de energia. Os cidadãos acreditaram, mas tudo não passou de mentira: as falhas de energia continuaram e até mesmo se agravaram.
  2. f) Quando a Barragem de Laúca começou a funcionar, as autoridades fizeram todo aquele berreiro sobre a grandiosidade tecnológica do projecto e, de novo, prometeram que as falhas de energia não mais teriam lugar. Os cidadãos acreditaram, mas tudo – também – não passou de mentira: as falhas de energia continuaram.
  3. g) Quando o Laboratório Central de Criminalística (localizado no Bairro Neves Bendinha) foi inaugurado, as autoridades e os comentaristas de algibeira afirmaram que se tratava de um dos mais bem equipados laboratórios de África e do Mundo, sendo que o mesmo possibilitaria o esclarecimento de uma série de crimes, incluindo os mais complexos. Passados poucos anos, diante da crise dos desmaios nas escolas, fenómeno que atingiu a quase totalidade do País, eis que as autoridades e o seu suposto laboratório “ultramoderno” se revelaram incompetentes em esclarecer as causas dos desmaios - que continuam a ocorrer.

Com o lançamento do satélite está também a ser passada a ridícula ideia de que Angola passou assim a ser uma potência tecnológica – mais um conto do vigário que visa maquilhar a realidade de um País disfuncional, cujos governantes sofrem de uma patológica megalomania.

É necessário que os cidadãos não se deixem entusiasmar diante de mais um projecto que promete grandes coisas. O historial de incompetência e megalomania das autoridades aconselha frieza, contenção e moderação nas expectativas.

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