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Sábado, 04 Novembro 2017 08:05

A intriga tomou conta de Angola

Isabel dos Santos foi demitida da Sonangol? Não. Trata-se da uma "notícia falsa" posta a circular no Whatsapp. Esta rede social transformou-se no espaço privilegiado da intriga política que por estes dias domina Angola. Porque será?

A intriga tomou conta da realidade política angolana. O veículo usado para disseminar informação falsa tem sido a rede social Whatsapp e o alvo principal a abater é Isabel dos Santos, presidente do conselho de administração da Sonangol.

Nos últimos dias várias mensagens difundidas através do Whatsapp anunciaram a exoneração de Isabel dos Santos por parte do Presidente da República de Angola, sendo que uma delas referia inclusive que a gestora seria impedida de ausentar-se do país.

A cereja no topo deste bolo foi uma alegada nota de imprensa da Presidência da República de Angola, dando conta do afastamento de Isabel dos Santos. Esta "notícia falsa" foi difundida em Portugal esta sexta-feira, 3 de Novembro, por dois órgãos de comunicação social, a RTP e o Observador, que posteriormente se viram forçados a desmentir o que anteriormente tinham publicado.

A falsidade da notícia era patente nos nomes dos administradores da Sonangol referidos como exonerados, os quais não faziam parte da gestão da petrolífera. Na realidade, esses administradores referenciados, por exemplo, João Diniz dos Santos e Kayaya Kahala, pertenciam à Ferrangol (Empresa de Ferro de Angola) e foi dela que foram destituídos a 1 de Novembro por João Lourenço.

A proliferação da intriga, que se pretende insinuar como notícia e ganhar palco mediático, cresceu de tom após o Presidente de Angola ter demitido o governador do Banco Nacional de Angola, Walter Filipe, e o presidente da Endiama, Carlos Sumbula, tidos como próximos de José Eduardo dos Santos, o quais foram substituídos por José Lima Massano e José Manuel Ganga Júnior. A par disso, crescem de tom os rumores de que alguns ministros podem estar a prazo, caso do titular pasta das Finanças, Archer Mangueira.

O próprio Jornal de Negócios foi envolvido neste esquema de intrigas, tendo sido citado por duas vezes como fonte de duas notícias que circularam no Whatsapp e que eram falsas como muitas outras que têm proliferado.

A questão que se coloca é a de saber se estas "notícias falsas" têm uma base verdadeira, sobretudo no caso de Isabel dos Santos. Fontes contactadas pelo Negócios asseguram que a gestora, filha do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, poderá abandonar o leme da Sonangol, mas nunca através de uma exoneração, porque esse procedimento iria contribuir para arrefecer ainda mais o relacionamento já complicado entre João Lourenço e José Eduardo dos Santos, que tendo deixado a presidência do país se mantém como líder do MPLA.

A estratégia, neste cenário, deverá passar por uma solução de compromisso, a qual se pode materializar numa saída de Isabel dos Santos da Sonangol no final do ano. Esta decisão seria justificada como o fim de um ciclo iniciado em Junho de 2016, durante o qual a gestora fez um trabalho de saneamento económico e financeiro da petrolífera. Syanga Abílio, que foi vice-presidente da Sonangol quando a liderança era ocupada por Manuel Vicente, é apontado como o seu sucessor.

Acresce que no sector privado Isabel dos Santos vai enfrentar desafios novos em Angola. Um deles está relacionado com a decisão do Governo de abrir o sector das telecomunicações a mais um ou dois operadores privados, o que aumentará a concorrência para a Unitel, empresa da qual a empresária é accionista.

Num outro plano, vários especialistas ouvidos pelo Negócios dão conta de um afastamento entre João Lourenço e José Eduardo dos Santos. O actual Presidente tem revogado muitas decisões de última hora do seu antecessor e está a ser pressionado para levar mais a fundo o afastamento de "santistas" dos centros de decisões. E as "notícias falsas" têm sido uma forma de intensificar essa pressão.

O ex-Presidente de Angola, por sua vez, está descontente com as decisões de João Lourenço, e na qualidade de líder do MPLA está à procura de um sucessor para dirigir o MPLA, que não o actual Presidente. Uma das individualidades sondada mas que terá recusado essa possibilidade foi Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola. O certo é que José Eduardo dos Santos parece apostado em controlar o Estado através do partido e que o seu relacionamento com João Lourenço é tenso.

Ou seja, actualmente, a oposição ao Governo não é feita pelos partidos da oposição, mas sim por aqueles que se sentem órfãos de José Eduardo dos Santos e também por outros que exigem mudanças rápidas. É o controlo do poder, sobretudo o económico, que está em causa. A soma destes factores traduz-se num clima da "caça à bruxas" com riscos graves.

Esta possibilidade é admitida no editorial do Novo Jornal desta sexta-feira, 2 de Novembro, intitulado "A urgência da unidade".

"O momento é demasiado sério e grave para nos dispersarmos e deixarmos escapar esta oportunidade de juntar esforços e partir para uma jornada que, por muito trabalhosa que seja, nos pode tirar da profunda crise moral, ética, política e cultural em que estamos atolados. Perdermo-nos em discussões escusas e vazias de que o poder tem de ser ‘meu’, dos ‘meus’ e não ‘teu’ nem dos ‘teus’ é, além de uma demonstração clara de falta de um sentido sério de angolanidade, estar a oferecer todos os flancos para depois termos de ouvir o pequenino Trump vir dizer, do alto da sua ignorância, da sua megalomania e da sua vaidade ignara, que ‘a África tem de ser recolonizada...!!!???’" lê-se no editorial, não assinado.

No mesmo jornal,Gustavo Costa, que assina a coluna de opinião "Palavra de Honra" escreve: "O sr. João [Lourenço] está metido num vespeiro de abelhas alimentado por um sistema que faz da intriga o alimento visceral da politiquice e a principal fonte de abastecimento e de sobrevivência de muitos dos seus mais altos agentes."

Por estes dias, em Angola, o clima é de "mosquitos por cordas".

Jornal de Negócios

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