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Segunda, 03 Novembro 2014 10:17

Reinaldo Sánchez : «Em Angola eu vi no gabinete de Fidel Castro uma caixa de tabaco cheia de diamantes»

«Dava a vida por ele, pelo líder de la revolución, não pelo narcotraficante». Deu-lhe 17 anos, durante os quais pertenceu ao círculo mais íntimo destinado a proteger Fidel Castro, a quem descreve como inteligente, sedutor, carismático, obsessivo, manipulador, oportunista, egocêntrico e cheio de sangue frio. Seis anos depois de ter fugido de Cuba, Juan Reinaldo Sánchez acaba de publicar em Portugal «A Face Oculta de Fidel Castro», editado pela Planeta.

«Eu via Fidel Castro como um Deus, para mim era a pessoa mais importante do mundo e por ele estava disposto a dar a minha vida e desejava dar a minha vida. Por ele arrisquei a minha vida muitas vezes», disse o ex-tenente-coronel cubano ao Diário Digital, contando que costumava, por exemplo, mergulhar com El Comandante para «espantar os tubarões, moreias e barracudas que se aproximavam dele ». Fidel adorava pesca submarina.

Chegou mesmo a «provar cada prato ou vinho que traziam a Fidel» durante uma viagem à Espanha, em 1992, para «assegurar que não estavam envenenados».

O ex-tenente-coronel diz que Fidel foi alvo de dezenas de atentados, mas considera exagerada a estimativa de 600 do governo cubano. Muitas desses atentados eram realizados pelo próprio sistema de segurança pessoal do ex-líder cubano, afirma Sanchez, explicando que o objectivo era provar a sua eficiência e ajustar eventuais falhas. «Eu estimaria entre 100 e 200 as tentativas reais de assassinar Fidel».

No livro, Sánchez faz revelações inéditas sobre a personalidade, as actividades e o estilo de vida de El Comandante, com inesperados contornos de milionário.

«Fidel Castro deu a entender que a Revolução não lhe deu nenhum respiro, nenhum prazer, que ignorava e desprezava o conceito burguês de férias. Mentia», afirma Sánchez. «Ao contrário do que sempre diz, nunca renunciou ao conforto do capitalismo nem escolheu viver com austeridade», escreve, acrescentando que o «rei» - como lhe chama - sempre teve o cuidado de manter longe da vista dos cubanos a sua vida privada, «o segredo mais bem guardado da Revolução».

O tenente-coronal descreve o luxuoso iate de Fidel, o «Aquarama 2», uma versão copiada do barco de um próximo do regime de Fulgencio Batista (presidente de Cuba entre 1940-1944 e líder de facto em 1952-1959), com quatro motores que lhe foram oferecidos pelo então dirigente soviético Leonid Brejnev.

Ancorado no seu porto privado da Baía dos Porcos, cada passeio no iate envolvia toda uma operação, que incluía outros dois navios, um dos quais transformado em clínica médica, uma patrulha militar e vários aviões em alerta para evitar que o comandante sofresse um atentado.

As férias e os fins de semana eram quase sempre passados em Cayo Piedra, uma ilha particular com restaurante flutuante e um aquário de golfinhos, para onde Fidel levava a família e amigos mais próximos, como Gabriel García Marquez, Gabo. «Ninguém em Cuba sonha em ter uma reserva de caça pessoal, mais de 20 residências que eu pessoalmente conheci», conta ainda.

«Para Cuba e para os cubanos, a sua vida privada sempre foi tratada como um legítimo segredo de Estado», diz.

«Nunca ninguém poderá calcular com precisão a fortuna do Comandante. Mas, para nos aproximarmos da verdade, temos de começar por compreender a realidade cubana, partindo do princípio de que Fidel Castro reina como monarca absoluto na sua ilha de 11 milhões de

habitantes. Em Cuba, ele é a única pessoa que pode dispor de qualquer coisa, apropriando-se, vendendo ou dando o que quer seja. Só ele, com uma assinatura, pode autorizar a criação (ou o encerramento) de uma empresa do Estado, na ilha ou no estrangeiro», escreve.

Em 2006, a revista Forbes incluiu o ex-líder cubano na sua lista dos 10 «reis, rainhas e ditadores» mais ricos do mundo. A publicação estimou a fortuna de Castro em 900 milhões de dólares (cerca de 714 milhões de euros), mas o governo de Cuba desmentiu sempre informações sobre o alegado património milionário do seu líder, alegando que Fidel vivia do seu salário oficial de 36 dólares (cerca de 28,5 euros) por mês.

Sanchéz confessa que, apesar de todas as contradições a que assistia, «fechava os olhos». «Pensava: ele é o herói da revolução, sacrificou-se pela revolução, merece…». Até ao dia em que «Fidel caiu do altar».

Foi num dia, em 1988, em que ouviu o presidente cubano através do circuito de vigilância e gravação interno a autorizar o ministro do Interior, José Abrantes – «melhor, a ordenar» - a conceder proteção temporária no país a um traficante sul-americano, um «lanchero», a troco de 75 mil dólares.

«Foi como se o céu me caísse em cima. Aturdido, incrédulo, petrificado, queria acreditar que ouvira mal ou que estava a sonhar, mas, infelizmente, era a realidade. Em poucos segundos, todo o meu universo, todos os meus ideais caíram por terra», escreve Juan Reinaldo Sánchez.

«Afinal quem dirigia o tráfico era Fidel. Para financiamento da revolução e para ele mesmo, para proveito pessoal para as suas contas no exterior». «Apercebi-me de que o homem por quem sacrificava a minha vida desde sempre, o Líder que venerava como a um deus e que, aos meus olhos, era mais importante do que a minha própria família, estava envolvido no tráfico de cocaína à maneira de um verdadeiro padrinho», conta.

«A partir desse momento, decidi encontrar uma maneira de deixar aquela vida, porque não conseguia entender como podia estar a proteger um homem que estava ligado ao tráfico de drogas». Pediu a reforma, que lhe foi negada, e foi preso durante dois anos por «insubordinação», tendo inclusivamente sido torturado para confessar os seus «erros»

«Pois vai cumprir do primeiro ao último dia», disseram-lhe na altura, quando se recusou a assinar a confissão. «Perfeito, pois se não cometi nenhum erro, não vou assinar nada», respondeu.

No livro aborda ainda a participação de Castro em Angola, onde afirma que Fidel não queria apenas o petróleo, mas também outros recursos naturais, como os diamantes. Cuba participou na guerra civil de Angola com milhares de soldados que combateram ao lado do MPLA.

«Fidel Castro dizia que ia levar de Angola apenas os mortos, mas não foi assim. Eu vi no gabinete de Fidel Castro uma caixa de tabaco cheia de diamantes», relata Juan Reinaldo Sánchez.

Sanchéz fugiu de Cuba numa lancha rápida, «não numa balsa» - frisa – juntamente com mais 45 pessoas. A fuga custou-lhe 12 mil dólares, pelo que teve que desfazer-se de tudo o que tinha, incluindo o carro foi vendendo à peça, para não dar nas vistas. Foi via Cancún, e a 1 de Setembro de 2008 já estava no lado de lá da fronteira com os EUA. Foi a 10ª tentativ que ia a que fez para fugir, e quando chegou a Miami – reduto dos dissidentes cubanos - já lá tinha cerca de 80% dos documentos e fotografias que conseguiu guardar e enviar para atestar a veracidade do que conta, garante.

Agora, é ele próprio quem anda rodeado de guarda-costas, sem responder à pergunta sobre se foi contactado pela CIA ou FBI. «Digamos que sabem que lá estou», diz apenas. 

O ano em que Sanchéz fugiu, foi também quando Fidel deixou oficialmente o poder, dois anos após adoecer e, desde então, aparece pouco em público.

«Até agora não houve nenhuma reacção do governo de Havana. Eles sabem que eu tenho provas e muito mais para contar», disse ao Diário Digital, adiantando que deverá lançar um segundo livro com mais revelações.

Diário Digital

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