Sábado, 20 de Abril de 2024
Follow Us

Sábado, 10 Novembro 2018 18:53

Ana Gomes diz que Manuel Vicente tem nacionalidade portuguesa

A eurodeputada portuguesa Ana Gomes insistiu hoje na ideia de que o antigo vice-presidente angolano Manuel Vicente tem nacionalidade portuguesa, facto que foi invocado pelo seu advogado numa peça processual apresentada quando o processo ainda estava aberto em Lisboa.

Em declarações à agência Lusa, em Luanda, a eurodeputada eleita pelo Partido Socialista (PS) português para o Parlamento Europeu (PE), considera que, a verificar-se tal situação, o facto "violou" a Constituição angolana, designadamente nas exigências que faz relativamente a quem pode tornar-se Presidente ou vice-Presidente da República.

"Não sei se Manuel Vicente é um deles [dos a quem foi atribuída nacionalidade portuguesa através dos ‘Vistos Gold']. O que sei é que Manuel Vicente tem aparentemente a nacionalidade portuguesa, tal como tem a angolana, o que contraria a Constituição angolana, designadamente nas exigências que faz relativamente a quem é PR ou vice-PR, no caso de Manuel Vicente (que deixou de ser vice-presidente em 2017)", disse.

Ana Gomes falava à Lusa após a 3.ª Conferência sobre Transparência, Corrupção, Boa Governação e Cidadania em Angola, organizada em Luanda pela Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), em que foi oradora no painel "O Combate ao Branqueamento de Capitais com Origem em Angola por Parte da União Europeia e de Portugal - O Papel da União Europeia e de Portugal: Ações e Omissões".

"Não sei. As estatísticas do SEF [Serviços de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal] dizem que há angolanos entre os beneficiários dos ‘Vistos Gold'. Como é que [Manuel Vicente] adquiriu a cidadania portuguesa não sei. Eu sei é que isso foi invocado pelo seu advogado numa peça processual que apresentou em Lisboa, quando o processo ainda estava aberto", sublinhou.

Ana Gomes salientou que já perguntou por duas vezes, ao atual e anterior Governo português, sobre se Manuel Vicente tem ou não a nacionalidade portuguesa, não obtendo qualquer resposta.

"Tive a informação que, no registo central, não há registo de Manuel Vicente, mas não tenho a informação se, por via dos ‘Vistos Gold', não tenha adquirido a nacionalidade portuguesa. É um aspeto que gostaria de esclarecer", explicou.

"Estou farta de pedir aos governos portugueses, o atual e o anterior, acesso às listas de beneficiários dos ‘Vistos Gold' e dos familiares que também obtiveram autorização de residência em Portugal através do esquema de reunificação familiar, e até hoje esse acesso foi-me negado", acrescentou.

Tudo isto acontece, lamentou, apesar de ser deputada europeia, de estar envolvida no Parlamento Europeu nas negociações e na redação das diretivas contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, de ser membro das comissões de inquérito sobre os sucessivos escândalos, como o "Panama Papers", "LuxLeaks" e "Paradise Papers", entre outros.

"Os governos portugueses não me dão acesso a essas listas porque sabem que vou encontrar lá uma série de gente que nunca devia ter tido o benefício da residência portuguesa se se tivesse feito uma "due diligence" como deve ser e se se tivesse apurado qual a origem dos capitais que usam, designadamente para comprar propriedades ou para fazer os investimentos que fizeram em Portugal.", declarou.

Questionada pela Lusa sobre se alguma vez se considerou um "empecilho" nas relações luso-angolanas, Ana Gomes respondeu que "nunca" tal aconteceu, ocorrendo precisamente o contrário.

"De maneira nenhuma. Continuo é a sentir-me solidária com o povo angolano e com todos aqueles que querem transparência e querem lutar contra a corrupção. [?] Não aceito aqueles que, em Portugal, tentam condicionar-me, dizendo-me que estou a pôr em causa os portugueses", respondeu.

"Acho que sirvo Portugal e o interesse português de não deixar que Angola confunda todos os portugueses como instrumentos dos corruptos e dos criminosos em Angola, que é a imagem que, infelizmente, têm muitos portugueses, cá (em Luanda) ou lá (em Portugal), que são de facto agentes dos criminosos, que desviaram recursos do Estado angolano para interesse próprio e que os investiram em Portugal e noutros países e em que os testas de ferro deles são portugueses. Ou têm portugueses como agentes coniventes com esse processo", acrescentou.

As relações entre Angola e Portugal registaram, em 2017, um período de crispação, devido ao processo judicial que envolvia o ex-vice-presidente de Angola, acusado de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documento.

Para o regresso à normalidade das relações, o Governo de Luanda impôs como condição a transferência do referido processo para a justiça angolana, o que acabou por acontecer em junho deste ano, ficando assim ultrapassado o "irritante" nas relações, como chegou a classificar o primeiro-ministro português, António Costa.

Hoje, a eurodeputada socialista também não se mostrou incomodada com o facto de as declarações surgirem a cerca de semana e meia da primeira visita oficial e de Estado a Portugal (de 22 a 24 deste mês) do Presidente angolano, João Lourenço, que constitui "uma esperança" para Angola.

"O relacionamento Portugal/Angola é muito importante e não pode de maneira nenhuma continuar a pautar-se por esquemas de cumplicidade no roubo, no desvio de recursos do Estado angolano por parte da elite cleptocrata que, nos últimos anos, não fez outra coisa neste país", referiu.

João Lourenço é, para Ana Gomes, "uma esperança" para Angola, "pelo que já está a fazer e pelos compromissos que assumiu", manifestando a convicção de que a deslocação do Presidente angolano a Portugal "corra o melhor possível".

"É uma grande oportunidade para as relações serem postas nos eixos e esses eixos têm de implicar colaboração, por parte de Portugal, nos esforços do novo Governo angolano em recuperar ativos. Muitos desses ativos estão investidos em Portugal e noutros países europeus e foram investidos com recurso a esquemas violadores das próprias leis europeias e dos interesses angolanos", concluiu.

Portugal deve colaborar com Angola no repatriamento de ativos

A eurodeputada portuguesa Ana Gomes disse, que Portugal deve "colaborar com Angola" na recuperação dos ativos financeiros angolanos na banca portuguesa, que terá de "estar pelos ajustes" a bem das relações bilaterais.

A dirigente socialista falava à Lusa após a 3.ª Conferência sobre Transparência, Corrupção, Boa Governação e Cidadania em Angola", em que foi oradora no painel "O Combate ao Branqueamento de Capitais com Origem em Angola por Parte da União Europeia e de Portugal - O Papel da União Europeia e de Portugal: Ações e Omissões".

"As omissões são imensas e não são só em matéria de regulamentação, não é o problema da lei, mas sim o cumprimento da lei, designadamente as diretivas europeias para o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo", sublinhou Ana Gomes, que deixa hoje à noite Luanda, onde chegou na quinta-feira.

Portugal, disse, tem tido um comportamento "perfunctório" em "muitas das chamadas entidades obrigadas" em Portugal, incluindo, exemplificou, sociedades de advogados, "que são intermediárias no negócios e investimentos de angolanos com dinheiro roubado ao Estado angolano", mas também contabilistas ou entidades de supervisão financeira.

"Como é possível que vários bancos em Portugal sejam instrumentos de pessoas politicamente expostas angolanas, com dinheiro obviamente desviado de forma abusiva e possivelmente criminal de Angola para ser investido em Portugal e que as autoridades portuguesas nada digam e deixem correr o marfim?", questionou.

Em causa está a Lei de Repatriamento de Capitais angolana, publicada a 26 de junho deste ano, que definiu que os cidadãos e empresas angolanas têm até 26 de dezembro (180 dias) para repatriar voluntariamente, sem perguntas ou investigações das autoridades, os recursos financeiros ilicitamente retirados de Angola, podendo até receber incentivos estatais.

De acordo com a lei, entre esses recursos, sem um teto mínimo, contam-se "depósitos bancários, à ordem, a prazo ou na forma de certificados de depósito ou de aforro, em contas domiciliadas em instituições financeiras bancárias no estrangeiro".

A 25 de setembro, tal como noticiou a Lusa, o ministro da Justiça e Direitos Humanos angolano, Francisco Queirós, sem nomear, lamentou a falta de colaboração de alguns bancos onde se encontram domiciliados capitais de origem ilícita, alegando que criam "alguma resistência em largar mão desses capitais".

O ministro angolano considerou "incoerente" a atitude dessas instituições financeiras "dos chamados paraísos fiscais ou mesmo das grandes capitais financeiras internacionais, cujos governos ostentam um discurso de combate à corrupção, ao branqueamento de capitais e a outras práticas conexas, mas na prática dificultam as operações de regresso dos ativos aos países de origem".

Para Ana Gomes, paralelamente à Lei de Repatriamento de Capitais aprovada pelo Governo do Presidente angolano, João Lourenço, está também em causa a implementação, em Portugal, dos vistos 'gold' que, no seu entender, "facilita a lavagem de dinheiro" e permite "a importação da criminalidade organizada para a União Europeia, um esquema absolutamente imoral".

"A UE põe todo o tipo de dificuldades à imigração ilegal, não tem canais legais e seguros para as pessoas que queiram vir para a UE ou até mesmo para requerentes de asilo, que se têm de colocar nas mãos das redes de traficantes para chegar a território europeu e depois pedir asilo", referiu a eurodeputada do Partido Socialista (PS) português.

"Mas, ao mesmo tempo, facilita, através dos vistos 'gold', um canal dourado para gente de outras proveniências, com dinheiro, para comprar a cidadania ou o direito de residência no espaço Schengen, com esquemas que são facilitadores do branqueamento de capitais e da importação da criminalidade. Isso é absolutamente insustentável", criticou Ana Gomes.

Na opinião da eurodeputada, Portugal "deve colaborar agora na recuperação desses ativos, garantir que a titularidades dos fundos investidos em Portugal e noutros países europeus volta para Angola".

"Parece-me essencial. Exige uma vontade política do Estado angolano. E há hoje leis e mecanismos na Europa, pagos pela própria UE, que podem ajudar as autoridades angolanas. Angola pode ter os apoios de que precisa para essa recuperação de ativos e Portugal tem essa obrigação de colaborar", defendeu.

Nesse sentido, sustentou, "a banca tem de estar pelos ajustes", assim como os supervisores europeus e nacionais têm de atuar, estando essa lacuna na base do caso BES/BESA (Banco Espírito Santo/Banco Espírito Santo Angola)", que os dois países têm de "deslindar".

Para Ana Gomes, esse deve ser um dos assuntos prioritários a ser tratado durante a visita oficial de João Lourenço a Portugal, de 22 a 24 deste mês.

“Não se perceber” porque Ricardo Salgado ainda não foi preso

A eurodeputada socialista Ana Gomes afirmou hoje "não se perceber" como a justiça portuguesa "ainda não prendeu" o ex-presidente do conselho de administração do antigo Banco Espírito Santos (BES) Ricardo Salgado e "seus capangas".

"Não podemos ficar à espera que, lá para as calendas, a justiça [portuguesa] atue. Em muitas coisas não se percebe qual é a atuação da justiça. Aliás, não se percebe porque é que, até hoje, a justiça portuguesa não prendeu Ricardo Salgado e os seus capangas, deixando que o sentimento de impunidade se instale", afirmou.

Ana Gomes falava à agência Lusa, em Luanda, após a 3.ª Conferência sobre Transparência, Corrupção, Boa Governação e Cidadania em Angola", organizada pela Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), em que foi oradora no painel "O Combate ao Branqueamento de Capitais com Origem em Angola por Parte da União Europeia e de Portugal - O Papel da União Europeia e de Portugal: Ações e Omissões".

Para a eurodeputada portuguesa, "também não se percebe" que a justiça portuguesa esteja a atuar com o BES, e, em particular no caso BES/BESA (Banco Espírito Santo Angola), como agiu nos casos "Montebranco" e "Furacão", assinando acordos de recuperação de parte dos ativos, "poupando os criminosos que entrassem nesses acordos".

"O caso BES/BESA é demasiado grave para Portugal e Angola, para os contribuintes dos dois países, para poder ser tratado da mesma maneira. É preciso uma investigação séria. O BESA foi apresentado como um caso de falhanço, de insolvência de um banco, por causa do crédito malparado, mas afinal não tinha um assim tanto crédito malparado, porque uma boa parte dos ativos passaram para uma nova titularidade no Banco Económico. O BESA é hoje o Banco Económico", referiu.

Ana Gomes salientou ter ouvido hoje, em Luanda, junto de pessoas que estão a investigar o caso, "uma coisa extraordinária".

"O atual Novo Banco, o sucessor do antigo BES em Portugal, ainda tem cerca de 9% no capital do BE, que é hoje o sucessor do BESA. O BESA não foi à falência, passou foi para outra titularidade e continua aí sob o nome de Banco Económico. Isto não é aceitável", disse, sem, porém, adiantar quem foi a fonte.

"O buraco provocado pelo BESA é um dos principais buracos que explica o colapso do BES, pelo qual nós, portugueses, estamos ainda a pagar e continuaremos a pagar. Ainda este ano foram anunciados mais 418 milhões [de euros] para a firma de abutres Lone Star que comprou o Novo Banco", acrescentou.

Nesse sentido, Ana Gomes exige saber quais os termos do contrato entre o Novo Banco e a Lone Star e, também, quem está por trás do fundo norte-americano que adquiriu 75% dos ativos do antigo BES, já como Novo Banco, a 18 de outubro de 2017.

"Isto é importante para Portugal, para o saneamento da vida pública e económica em Portugal e é importante também para Angola. Temos todos de contribuir para que a justiça faça o seu trabalho e não esperar que seja só a justiça, no seu calendário moroso, a deslindar esta tremenda manigância que tão caro custa aos portugueses e aos angolanos", sublinhou.

As palavras de Ana Gomes coincidem com as proferidas a 12 de setembro último pelo ex-presidente da comissão executiva do BESA Álvaro Sobrinho, que disse, numa entrevista à Televisão Pública de Angola (TPA), que a instituição faliu por decisão política, tendo em conta as pessoas envolvidas, e não por insolvência (a 14 de outubro de 2014, na altura com 34 agências).

Álvaro Sobrinho questionou se o BESA faliu mesmo, porque, no seu entender, do ponto de vista formal, o banco existe com outra denominação (Banco Económico) e, do ponto de vista prático, não houve nenhum organismo internacional, independente, estatal e nem auditor que declarasse a falência da instituição.

"O BESA foi alvo de uma auditoria, em 2011, que não viu falência", referiu o empresário, salientando que a narrativa da insolvência nasceu dos acionistas e que a situação de bancarrota não foi declarada pelo Banco Nacional de Angola (BNA), auditores da KPMG, conselho fiscal ou outros reguladores internacionais.

No dia seguinte, os acionistas do extinto BESA refutaram as acusações de Álvaro Sobrinho, considerando-as "falsas e caluniosas" e acusaram-no, por sua vez, de "mentir" por "não apresentar os factos tal como eles ocorreram".

No documento, em que são citados dois comunicados, um do BNA e outro do Banco de Portugal (BdP), os acionistas referem que "não houve qualquer decisão política para decretar a falência do BESA", tal como foi referido por Álvaro Sobrinho.

"[A falência do BESA decorreu, sim, dos erros da sua [de Álvaro Sobrinho] gestão e dos seus dinheiros que para si retirou, sendo esta uma questão da sua exclusiva responsabilidade", lê-se no comunicado.

A falência do BESA foi oficialmente declarada a 14 de outubro de 2014. Na altura, tinha 34 agências.

No mesmo dia, o Banco Nacional de Angola (BNA) referiu que o processo que levou à declaração de falência do BESA foi "absolutamente transparente" e "visou salvaguardar" o sistema financeiro angolano.

"Foi um processo absolutamente transparente, dentro das margens em aquilo que a própria legislação permite ao BNA no sentido da salvaguarda e proteção do nosso sistema financeiro", disse o governador do banco central angolano, José de Lima Massano, repetindo o que foi divulgado em 2014 pelo BNA.

"O que foi dito naquela altura prevalece válido e no essencial, a tal informação permanece válida", disse.

Rate this item
(0 votes)