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Sexta, 15 Junho 2018 22:43

''Pacto de regime'' para amenizar situação periclitante da prole de JES

Interesses políticos “mais altos” estão neste momento a embaraçar os órgãos de Justiça do país, impedindo-os de cumprir o seu papel. Tudo porque está em gestação um pacto na cúpula do regime, cuja preocupação primordial será evitar que os filhos do antigo Presidente da República venham a ser alvos de ‘linchamento’ público, perseguição e caça às bruxas. Nisso se inclui também um ‘dique’ para impedir que sejam criminalmente responsabilizados em eventuais processos judiciais em que se vejam envolvidos

A enrascada em que José Filomeno dos Santos “Zenu” se encontra metido, indiciado em dois complicados processos judiciais, pode vir a ter um desfecho mitigado, isto, ao que apurou o Correio Angolense, no âmbito de um pacote global que está a ser maturado nos bastidores do “regime” para a situação de todo o clã dos Santos. De acordo com fontes familiarizadas com esse dossier, no caso concreto do varão do antigo PR, uma solução em perspectiva poderá passar somente por uma intimação para que restitua o que tiver eventualmente sobrado da “cratera” que deixou nas contas do Fundo Soberano.

Estará tudo ainda no segredo dos deuses e, à partida, ninguém ousaria pensar num desfecho como esse se o ponto de avaliação for uma situação insólita que ocorreu no dia 29 de Maio último, ocasião em que o antigo presidente do Fundo Soberano de Angola (FSDEA) foi novamente interrogado por magistrados da Direcção Nacional de Investigação Penal (DNIAP) e do Gabinete de Corrupção da Procuradoria Geral da República.

José Filomeno dos Santos “Zenu” passou por aquilo que as fontes deste jornal descrevem como tendo sido uma “verdadeira seca”. Fazendo-se acompanhar dos seus advogados, Benja Satula e Bangula Kemba, o filho do antigo Presidente José Eduardo dos Santos chegou muito cedo às instalações da DNIAP – pouco depois das 8 horas, segundo as fontes – e foi encaminhado para uma sala de espera. Até aqui nada de anormal. O problema foi o tempo de espera (oito intermináveis horas!!!) que Zenu foi obrigado a “gramar” naquela sala até ser finalmente ouvido pelos magistrados, isto quando já passavam das 15 horas.

O ocorrido não teria nada de estranho e não mereceria por isso comentários de maior se o alvo da “seca” fosse um cidadão comum, pois os angolanos em geral estão habituados a passar por incómodos piores nas repartições públicas que frequentam para tratar de bagatelas como um bilhete de identidade ou um assento de nascimento. Convenhamos, porém, que até esse dia 29 de Maio, seria inimaginável pensar que alguém em Angola, individualidade ou pessoa colectiva, fosse capaz de pôr um membro da antiga “realeza” do país a passar por humilhante suplício.

Mas certo é que o impensável sucedeu com Zenu dos Santos que, além de ver o seu ego a despenhar-se de alto a baixo na sequência da “esfrega” que levou, também foi constituído arguido num segundo processo além daquele que já impende sobre si no caso da transferência ilegal de 500 milhões de dólares do Banco Nacional de Angola para o Reino Unido. É que Zenu também está indiciado no processo que investiga a malversação de verbas que estavam à sua guarda como presidente do conselho de administração do Fundo Soberano de Angola.

"Diante do quadro que se está a desenrolar nos bastidores do regime, tudo indica que as tropelias cometidas por Isabel dos Santos são para esquecer. Está claro que ninguém mais ousará incomodá-la. Neste momento, só se sobreviesse um terramoto ela seria chamada a responder, em juízo, pelas irregularidades cometidas durante à sua gestão da Sonangol, profusamente denunciadas pelo seu sucessor na administração da petrolífera nacional, Carlos Saturnino."

Mas aqui chegados podemos pôr um ponto final quanto ao “suplício” a que Zenu foi sujeito. Desiluda-se quem pensar que tal ocorrência possa constituir, por si só, indício de uma profunda mudança em curso nas instituições judiciais do país. Na verdade, ainda há enormes desafios a transpor para que se atinja a almejada democratização da justiça angolana, ou seja, um cenário em que não se faça distinção dos cidadãos e todos sejam tratados com equidade diante da lei.

Como foi dito na abertura desta peça, tudo indica que no essencial os processos em torno do antigo presidente do Fundo Soberano poderão parir um rato. Isto porque estará já em gestação o que poderá ser um pacto na cúpula do regime, cuja preocupação primordial será evitar que os filhos do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, venham a ser alvos de eventuais processos de linchamento público, perseguição e ou caça às bruxas. Nisso se inclui também o levantamento de um ‘dique’ para evitar que sejam criminalmente responsabilizados em eventuais processos judiciais em que se vejam envolvidos, como é já o caso presente de Zenu dos Santos, a braços com dois processos revestidos de todas as características e condimentos para terminar em condenação criminal, pura e dura.

O mais sério indício dessa tendência para o ‘pacto de regime’ aqui alvitrado foi o que sucedeu numa das mais recentes reuniões do Bureau Político. Nessa reunião – que na verdade conforma, rigorosamente, a cúpula do “regime” que governa Angola –, alguém interveio e, sem meias-palavras, fez uma defesa acirrada do clã de José Eduardo dos Santos, acentuando que ninguém naquela sala era santo ou anjo.

Não foi possível apurar a identidade desse dirigente dos “camaradas”, mas certo é que ninguém ousou contrariar a sua intervenção; mesmo porque José Eduardo dos Santos estava presente. De um modo geral, os presentes na sala ficaram simplesmente a entreolhar-se, quedos e mudos. Um silêncio revelador, em princípio, de que estariam conscientes todos de terem rabos de palha em relação aos passivos da era eduardista.

"À boleia, um comprovado vigarista de alto coturno como é Jean-Claude Bastos de Morais – que, segundo o jornalista Rafael Marques de Morais, tornou-se o cérebro de Zenu e chamou a si o controlo de biliões de dólares do erário angolano, usando-os para enriquecimento próprio – também beneficiaria dos efeitos do ‘perdão’ que se pretende atribuir à ‘prole’ de JES."

Diante do quadro que se está a desenrolar nos bastidores do regime, tudo indica que as tropelias cometidas por Isabel dos Santos são para esquecer. Pelo silêncio – quase tumular – que se gerou à volta dela nos últimos tempos, está claro que ninguém mais ousará incomodá-la. Neste momento, só se sobreviesse um terramoto ela seria chamada a responder, em juízo, pelas irregularidades cometidas durante à sua gestão da Sonangol, profusamente denunciadas pelo seu sucessor na administração da petrolífera nacional, Carlos Saturnino.

No que diz respeito a Zenu dos Santos, acredita-se que o desenlace mais provável para o “kizangu” em que se encontra metido será a de um arranjinho judicial para que o varão de José Eduardo dos Santos seja somente intimado a restituir ao Estado angolano parte dos fundos que lhe foram confiados enquanto presidente do conselho de administração do Fundo Soberano de Angola.

De acordo com dados que já são públicos, dos 5 mil milhões de dólares com os quais o Fundo Soberano arrancou em 2013, pelo menos cerca de 3 mil milhões são dados como tendo sido alvo de malversação e descaminho, através de aplicações em paraísos fiscais diversos, à semelhança das Ilhas Maurícias, quando colocados sob a gestão da Quantum Global, empresa dirigida pelo suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais, de que também é sócio o próprio Zenu dos Santos.

Esse capital continua a ser objecto de rastreamento. A nova administração do Fundo Soberano decidiu que levará a cabo uma auditoria independente para um apuramento completo da “cratera” que Zenu e Bastos de Morais deixaram nas contas do organismo.

"Em conclusão, devido a interesses políticos do regime, os órgãos de justiça angolana estão praticamente bloqueados e impedidos de dar o salto para a mudança prometido pelo novo Presidente da República, ao eleger o combate à corrupção e à impunidade como um dos cavalos de batalha do seu mandato."

Mas mesmo que tais diligências contabilísticas venham a resultar em mais descobertas comprometedoras, é bom que não se alimentem grandes expectativas de justiça em relação ao comparsa de Zenu dos Santos. É evidente que se o filho de JES gozar de algum perdão para as mais do que óbvias responsabilidades que tem em todas as falcatruas ocorridas, quer no Fundo Soberano como no caso dos 500 milhões transferidos do BNA para o Reino Unido, as instituições judiciais não teriam moral nem argumento técnico para incorrer em atitude discriminatória e, com toda a dureza que a lei recomenda (entenda-se punir com a prisão se for o caso), “agir” apenas contra o cidadão suíço-angolano.

Assim, à boleia, um comprovado vigarista de alto coturno como é Jean-Claude Bastos de Morais – que, segundo o jornalista Rafael Marques de Morais, tornou-se o cérebro de Zenu e chamou a si o controlo de biliões de dólares do erário angolano, usando-os para enriquecimento próprio – também beneficiaria dos efeitos do ‘perdão’ que se pretende atribuir à ‘prole’ de JES.

De resto, arriscam-se a ir pelo ralo as expectativas abertas pela informação avançada recentemente pelo Procurador-Geral da República de Angola, Hélder Pitta Grós, de que estão praticamente concluídas as investigações em torno da transferência ilegal de 500 milhões de dólares de Angola para o Reino Unido, bem como da tentativa de burla ao Estado angolano de 50 biliões de dólares, que ficou conhecida como a “Conexão Tailandesa”.

Não há pois que embandeirar em arco. Pelas mesmas razões acima avançadas relativamente a Jean-Claude Bastos de Morais, a justiça angolana tenderá igualmente a ser branda com indivíduos como Jorge Gaudens Pontes Sebastião, outro dos principais comparsas de Zenu dos Santos, e o ex-governador do Banco Nacional de Angola (BNA) Valter Filipe, constituídos arguidos no rumoroso casos dos “500 milhões”.

Por maioria de razão, já que se trata de um processo de burla tentada mas não concretizada, poderá também respirar de alívio, já no caso da “conexão tailandesa”, o antigo director da Unidade Técnica de Investimento Público (UTIP), porta-voz e actual secretário para a Informação do MPLA, Norberto Garcia, que é arguido nesse processo. Outros arguidos no mesmo processo são os generais Geraldo Sachipengo Nunda, antigo CEMG das FAA, e Arsénio, presidente da cooperativa habitacional Ondjo Yetu, proprietária de imenso património em Luanda, com destaque para o luxuoso condomínio Jardim de Rosas.

Em conclusão, devido a interesses políticos do regime, os órgãos de Justiça angolanos, ao longo dos anos acusados de não serem independentes do poder político, encontram-se praticamente bloqueados e impedidos de dar o salto para a mudança prometido pelo novo Presidente da República, ao eleger o combate à corrupção e à impunidade como um dos cavalos de batalha do seu mandato. Correio Angolense

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