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Quarta, 14 Março 2018 10:06

Abriu a caixa da Pandora?

A semana que findou ficou marcada por acontecimentos que destaparam ainda mais o véu que cobria o descaminho despudorado de dinheiros públicos que permitiu o enriquecimento ilícito de uns poucos iluminados e suas famílias e atirou para indigência milhões de angolanos, cuja condição se agrava a cada dia que passa.

Por Maurílio Luiele

Hoje já não se pode negar que foi a gestão danosa dos recursos públicos que precipitou a crise económica que emergiu com a queda abrupta dos preços do petróleo no mercado internacional.

I . A profusa troca de acusações entre o Presidente do Conselho de Administração (PCA) da SONANGOl, Carlos Saturnino, e a empresária Isabel dos Santos, que comandou a petrolífera nacional até Novembro do ano passado.

O actual PCA da SONANGOL falando por ocasião dos 100 dias de vigência da sua direcção, entre muitos assuntos levantados, revelou, para surpresa de todos, que tendo o Conselho de Administração por si dirigido tomado posse no dia 16 de Novembro de 2017, aperceberam-se nessa mesma noite que o administrador que cuidava das finanças na Sonangol, embora tivesse sido exonerado no dia 15, ordenou uma transferência no valor de 38 milhões de dólares para a Matter Business Solution, com sede no Dubai. O PCA fez também referência aos altos salários que estavam a ser pagos durante a gestão de Isabel dos Santos e a entrada em cena dos bancos BIC e EuroBic como canais preferenciais para os pagamentos efectuados pela SONANGOL, o que na verdade configurava um claro conflito de interesses.

A resposta da Eng. Isabel dos Santos não se fez esperar. Num quilométrico comunicado que fez circular em diversas plataformas digitais, a empresária rebateu à sua maneira as acusações de Carlos Saturnino. Relativamente à transferência feita já depois de exonerado o Conselho de Administração que presidia, Isabel dos Santos lembra no seu comunicado que a Matter, a quem se destinou o pagamento,  foi a gestora transversal de todo o projecto de reestruturação da Sonangol que ela foi chamada a conduzir, no seguimento de decisões do anterior conselho e com envolvimento do próprio Governo, tendo coordenado diversos programas de consultoria prestados no âmbito da reestruturação com vista a optimizar custos, prestações e resultados da consultoria. Os 38,1 milhões transferidos naquela noite, segundo Isabel dos Santos, estavam contabilizados como parte do valor de 90.5 milhões de dólares, tidos como custo de consultoria para o ano de 2017 que, no seu entender, é um "valor de consultoria mais baixo do que os dos conselhos de administração anteriores". Quanto ao pagamento justamente naquela data, Isabel dos Santos justifica-se, de forma inconsistente , com a "obrigação dos administradores em funções assegurarem o tratamento dos assuntos sociais como é o normal e corrente, como é o pagamento de facturas de trabalhos prestados e já entregues...", apesar de reconhecer que neste mesmo dia já haviam começado as reuniões de passagem de pasta. Não seria então prudente remeter este assunto ao novo Conselho de Direcção nestas reuniões?

Quanto aos salários, a Eng. foi peremptória: "afirmar que cada um dos administradores (...) recebeu, pelos 17,5 meses que esteve em funções, um total de 145 salários é falso, difamatório e calunioso". "Cada administrador recebeu apenas 18 meses de salários referentes aos meses trabalhados"! Mas, o comunicado não se limita à defesa, lança-se deliberadamente ao ataque, mesmo sabendo que o terreno não é propriamente firme, mas antes areias movediças com possibilidades de ocorrência de tempestades de areia próprias do Sahara. Assim, entende Isabel que os que agora a acusam estão apenas a "procurar um bode expiatório para esconder o passado negro" da empresa e como consequência assistir-se-á ao “retorno em força da cultura de irresponsabilidade e desonestidade que afundaram a Sonangol...", adiantando mesmo que existem "interesses financeiros que durante anos aproveitaram e construíram fortunas ilegítimas à custa da Sonangol", o que configuara o "retorno de interesses das pessoas que enriqueceram bilhões à custa da Sonangol".

Que interesses são esses e quem são estas pessoas que se tornaram bilionárias à custa da Sonangol? A família da Engenheira Isabel dos Santos é alheia a estes interesses? Como foi financiada a entrada de IS no capital da GALP por via da Exem? Como se fez o capital da UNITEL, hoje por hoje a estrela cintilante do conglomerado IS senão pela Sonangol? Aliás Rafael Marques, profundo conhecedor destas matérias, afirmou categoricamente que "todo o dinheiro de IS é da Sonangol", logo ela própria é um destes entes que se tornou bilionária à custa da empresa. Em vez de apenas ficar por acusações genéricas, ajudaria mais o combate à corrupção e à impunidade, a que se propôs o Presidente da República, se fornecesse uma lista destas fortunas ilícitas. Seria um gesto patriótico que permitiria impedir o retorno "da cultura de irresponsabilidade e desonestidade que afundaram a Sonangol" em defesa dos nossos interesses colectivos.

II . O Escândalo dos 50 mil milhões de dólares dos tailandeses

Nesta semana, o Serviço de Investigação Criminal (vulgo SIC) veio a público comunicar o desmantelamento de uma rede envolvendo angolanos, tailandeses e cidadãos de outras nacionalidades que pretendia defraudar o Estado angolano no astronómico montante de 50 mil milhões de dólares americanos. É dinheiro que muita falta faz aos cofres públicos para tocar projectos de elevado impacto socio-económico.

Segundo o SIC, cidadãos tailandeses que se diziam proprietários da empresa Centennial Energy Company, com sede nas Filipinas, teriam simulado dispor de acesso a uma linha de crédito aberta no Banco Filipino Bangko Sentral NG Filipinas no valor de 50 mil milhões de dólares com a qual se propunha financiar projectos em Angola, em vários domínios, estando por ocasião do desmantelamento da rede já na posse de 53 propostas de empresas angolanas das quais uma teria já sido vítima de burla evidente. O SIC considera que terá havido um erro de avaliação por parte da entidade nacional responsável pela captação de investimento privado (UTIP), o que passou para o mercado a falsa ideia de que os 50 mil milhões de dólares para investimento eram já um facto, o que animou os empresários a avançar com as propostas. O SIC acusa a empresária Celeste Marcelino de Brito de ter formulado o convite aos cidadãos tailandeses, mas documentos postos a circular na Internet dão a entender que a empresária foi orientada pela UTIP a apresentar projectos aos tailandeses. O SIC registou o envolvimento no processo de entidades angolanas que gozam de foro especial, entre as quais altas patentes das FAA, razão pela qual o processo transitou para o domínio da Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) da PGR. Imagens que circulam nas redes sociais, entretanto, sugerem que o envolvimento das Forças Armadas parece ser institucional e não apenas individual, por parte de algumas altas patentes. Assim, parece haver ainda um caminho a percorrer para que este caso seja definitivamente esclarecido, mas fica claro o envolvimento de agentes do alto escalão do Estado num processo que poderia resultar num portentoso rombo dos cofres públicos.

Não é por acaso que os tailandeses escolheram Angola para aplicar o seu golpe. A alta corrupção que grassa todas as esferas do poder público fragilizou e desmoralizou de tal modo as instituições que as tornou presas fáceis destes vendedores de banha de cobra que pululam mundo fora. A corrupção em Angola é hoje uma ameaça à própria Segurança Nacional e prova disso é que, por pouco, seria a Instituição Forças Armadas Angolanas a chancelar um monumental assalto ao tesouro nacional. Assim, o combate à corrupção e à impunidade é já uma questão de soberania que deve engajar todos os órgãos de soberania, do legislativo ao judiciário, passando obviamente pelo executivo. É importante também engajar nesta cruzada a sociedade como um todo.

Diante de toda a poeira levantada na semana finda, os inquéritos parlamentares à Sonangol e ao Fundo Soberano fazem todo o sentido e deveriam ser estimulados pelo próprio Presidente da República, pois se constituiriam num braço a mais na cruzada que se propôs empreender contra a corrupção e a impunidade.

Levantemo-nos todos contra a corrupção e a impunidade em defesa do Estado Democrático e de Direito! JA

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