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Segunda, 05 Março 2018 12:08

Resposta de Isabel dos Santos é dirigida também ao novo poder político angolano

Isabel dos Santos chamou "mentiroso" ao presidente da Sonangol pelas acusações de má gestão, mas não era em Carlos Saturnino que estava a pensar.

Por António Costa

Se alguém ainda tinha dúvidas sobre as mudanças políticas em Angola, terá ficado esclarecido com a resposta de Isabel dos Santos às acusações de má gestão na Sonangol, protagonizadas pelo atual presidente da petrolífera, Carlos Saturnino. A resposta, violenta, da empresária é também, implicitamente, dirigida ao novo poder político que dá cobertura a estas acusações, ao novo presidente, João Lourenço, ao antigo vice-presidente Manuel Vicente, agora outra vez influente. Está aberta a guerra e deixou de estar nos corredores, para ser pública e notória.

Isabel dos Santos estava a ser acusada, desde novembro, de gestão (quase) danosa na Sonangol, empresa de que foi presidente durante 18 meses. Manteve-se calada até este fim-de-semana. Uma longa resposta de sete pontos, com números e datas, e uma entrevista ao Jornal de Negócios, em que desmente as acusações, afirma que Carlos Saturnino é “mentiroso” e está a tentar encontrar bodes expiatórios “para enganar o povo sobre quem realmente afundou a Sonangol” e um regresso “à cultura de desonestidade” que afundou a petrolífera. Depois disto, nada ficará como dantes.

Agora, Isabel dos Santos tem de estar preparada para a resposta. Não tardará. Zangam-se as comadres, sabem-se as verdades, diz-se por cá, mas também serve para lá, para Luanda. O percurso da empresária será escrutinado, e revelado, as suas fontes de financiamento, a história de como começou. Só falta saber quem é que vai protagonizar essa guerra neste novo ciclo.

A resposta de Isabel dos Santos tem uma virtude: põe números e datas, por exemplo quando revela o que gastou com consultores e o que era gasto e o que a Sonangol recebeu de dividendos da Galp no dia 17 de novembro de 2017″, entre outros pontos. São informações precisas, a que acrescenta um discurso no qual lembra a situação de falência da empresa e deixa perceber que está disponível para mostrar como é que se chegou até ali. Não é apenas uma resposta a Saturnino, que também já tinha sido um quadro superior da Sonangol, é uma resposta a todos os que receberam (ou tiraram) dinheiro da empresa durante muitos anos. É uma resposta a quem quer usá-la como ‘troféu’ para mostrar a mudança do regime.

A Sonangol estava falida e, por isso, só uma reestruturação com impacto em muitos interesses instalados poderia, e poderá, dar viabilidade a uma empresa que se confunde com o próprio Estado. Por isso, independentemente das considerações que poderão existir sobre Isabel dos Santos e a sua ascensão na últimas duas décadas como empresária, é evidente que as acusações fazem temer uma tentativa de manter tudo o que era a Sonangol antes da sua reestruturação.

Os reequilíbrios de poder em Angola, a substituição alargada de quadros superiores das empresas, a demissão de todos os filhos do antigo presidente José Eduardo dos Santos, são mudanças profundas que estavam a ser feitas sem oposição. Até agora. O novo presidente, já se percebeu, tem o apoio do governo americano, e estará por isso até a acelerar essas mudanças. E também se sabe que ninguém acreditaria nelas se mantivesse a nomenclatura Dos Santos no poder.

A Sonangol – leia-se o Estado angolano – continua a precisar de uma reestruturação profunda, continua a precisar de cortar as redes de interesse pelas quais saíram milhares de milhões de dólares para cofres privados. Perante o quadro traçado por Isabel dos Santos, o que fará o novo presidente? Vai manter o plano ou vai parar tudo o que estava a ser feito? A posição de força de Isabel dos Santos, a admissão de que apresentará uma queixa-crime contra o presidente da Sonangol pelas acusações que lhe dirigiu, é por isso um verdadeiro teste às convicções e prioridades do novo poder. ECO

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