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Segunda, 09 Outubro 2017 18:34

Algumas contribuições para a nova governação (II)

Estas reflexões, sobre alguns aspectos que, do meu ponto de vista, deveriam ser levados em consideração pela nova governação, com a finalidade de se criarem as condições para a inversão do processo de desaceleração estrutural do crescimento económico do País, são a continuação das apresentadas no dia 22 de Setembro.

Por Alves da Rocha

A integração da República de Angola em instituições de carácter regional constitui-se, igualmente, como variável a tomar em linha de consideração. Angola é um País da SADC e da CEEAC, espaços geográficos, onde poderá vir a desempenhar um papel de relevância económica, compatível com as suas potencialidades naturais. Convirá, neste contexto, estabelecer relações adequadas entre as actividades económicas mais aptas à integração económica interna e à máxima criação de empregos e as especializações produtivas que deverão conferir maior competitividade económica naqueles espaços. Mais do que em qualquer outra área económica é aqui que o binómio eficiência/equidade deve ser devidamente equacionado, de modo a que os diferentes objectivos estratégicos possam ser optimizados.

As dinâmicas internas vão desempenhar um papel crucial na viabilização dos modelos de crescimento económico. O Estado aparece como um agente importante na coordenação das estratégias de recuperação e na criação de um ambiente propício para as decisões microeconómicas. A Administração do Estado tem experimentado, nos últimos anos, um processo ainda muito tímido de reformas institucionais que vão no sentido de transformar os seus órgãos em agentes activos do desenvolvimento. O "capacity building", a redução da burocracia, o combate contra a corrupção e a descentralização são os quatro aspectos capitais enformadores de uma relação nova entre o Estado e a sociedade civil. A assunção filosófica do novo modelo desenvolvimento a médio prazo é a de que o Estado tem um papel institucional e económico muito particular e importante a desempenhar no processo de reconstrução futuro para inverter esta fase de oito anos de desaceleração estrutural da economia nacional. De resto, à semelhança do que aconteceu com as economias europeias e a japonesa depois do segundo conflito militar mundial. Trata-se de aquilatar em que moldes este papel deve ser desempenhado na mobilização de iniciativas, na facilitação do exercício da actividade económica, na criação das bases materiais do crescimento e no exercício das suas responsabilidades sociais.

O Estado e os seus organismos têm sido utilizados a favor da criação e defesa de interesses privados individuais - doutrinária e convencionalmente chamados de acumulação primitiva de capital e constituição de uma burguesia nacional com muita fortuna económica e financeira - em desprimor de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento e progresso social. A desaceleração do crescimento do PIB, depois de 2009 (em comparação com a fase da "mini-idade de ouro do crescimento económico", 2002-2008), é uma prova de que faltaram reformas (económicas, institucionais, sociais e de mentalidade) capazes e tendentes a garantir um crescimento económico estável e com elevados padrões de conhecimento, bem-estar e capacidade de resiliência às anomalias dos mercados externos.

A partir de agora, o que passará a estar em causa é a paz, a reconciliação nacional (ainda por fazer em todas as suas facetas, incluindo a da correcção das desigualdades) e o desenvolvimento económico. Ainda que o "caminho se faça caminhando", a espera por uma melhoria considerável das condições de vida da população começa a ter um tempo reduzido (falhada que foi a promessa de "crescer mais, para distribuir melhor"). Os sacrifícios do povo humilde, trabalhador e pobre foram insuportáveis e só uma férrea vontade de viver e de contribuir para se arquitectarem tempos novos de prosperidade não o fez desistir. Quinze anos de paz generalizada e efectiva ainda não trouxeram progresso visível e estabilidade de rendimentos para quem mais precisa de mudanças, a população pobre. Se antes da paz, o crescimento económico foi útil e conveniente para se garantirem as fontes de financiamento externo para as importações e o esforço de guerra, agora com a paz necessariamente que o crescimento económico se tem de transformar em desenvolvimento. E é neste contexto que deverão ser estudadas e discutidas o que considero serem as traves mestras do novo modelo económico:

A primeira trave mestra é de natureza keynesiana, centrada nos gastos públicos. As políticas orçamentais terão de ser relativamente expansionistas e os défices fiscais deverão ser estabelecidos em níveis compatíveis com a necessidade de um crescimento económico forte e sustentável (1). A expansão dos investimentos públicos é a via menos inflacionista (em contraponto com as despesas de pessoal ou mesmo de funcionamento). No entanto, esta vertente pode ter rendimentos decrescentes, porque os défices públicos recorrentes provocam o crescimento da dívida pública interna e externa e geram políticas monetárias restritivas.

A segunda é do tipo schumpeteriano, de indução do processo de destruição criadora, para promover uma onda de inovações tecnológicas e organizacionais, capaz de aumentar os gastos de consumo e de investimento (2). No entanto, do ponto de vista da procura agregada, pode acontecer que este processo destrua mais do que crie, quando as inovações tecnológicas e organizacionais reduzem mão-de-obra e, "ceteris paribus", a massa salarial. Desta forma, trava-se o conhecido mecanismo do acelerador, por meio do qual o maior crescimento da procura provoca o dos investimentos. O problema é que este processo tem uma forte componente aleatória - invenções, inovações e decisões de investimento - mesmo quando se articulam Governo e empresas, política industrial e tecnológica e investimento privado.

O terceiro vector é de carácter político e expressa-se na distribuição da riqueza e do rendimento. As evidências empíricas conhecidas apontam no sentido de que as respostas a políticas activas de reconfiguração dos frutos do crescimento económico são mais efectivas em economias atrasadas, com populações pobres e enormes desigualdades - aumento significativo do poder de compra unitário e da massa de gastos de consumo, com implicações sobre o nível e as decisões de investimento. Todavia, é importante não minimizar as descobertas e conclusões de Simon Kuznets quanto à correlação entre desigualdade e crescimento económico, medida, respectivamente, pelo índice de Gini e rendimento médio per capita (até determinado nível de PIB por habitante o crescimento económico pode aumentar a desigualdade). A sua famosa curva U invertida.

O quarto elemento encontra-se na frente externa e deve procurar as formas de se transformar as exportações numa das locomotivas da economia nacional - esta tem sido a saída mais procurada pelos países emergentes e pelos neo-desenvolvidos do sudeste asiático, como reacção à insuficiência de procura agregada interna. Neste sentido, as economias devem procurar uma crescente competitividade internacional. Há, no entanto, uma dificuldade fundamental para esta estratégia, pois a maioria dos países procura explorá-la no limite (isto é, com preços extremamente baixos, o que implica salários baixos e, portanto, procura agregada menos expressiva). As restrições do lado da procura também são maiores, dada a lentidão do crescimento da economia mundial, as suas flutuações e as ondas de proteccionismo das economias avançadas.

(1) J. Stiglitz afirma: "There is no simple optimum level of the budget deficit. The optimum deficit - or the range of sustainable deficits - depends on circumstances, including the cyclical state of the economy, prospects for future growth, the uses of government spending, the depth of financial markets and the levels of national savings and national investment". E no concernente à inflação, comumente associada aos défices públicos, o Prémio Nobel da Economia de 2001 sustenta: "... the evidence has only shown that high inflation is costly. Bruno and Easterly who found that when countries cross the threshold of 40 percent year inflation they fall into a high inflation/low growth trap. But below that level, there is no evidence that inflation is costly. Barro and Fischer also confirm that high inflation is, on average, deleterious for growth, but again have failed to find any evidence for costs of low levels of inflation" in More Instruments and Broader Goals: Moving Toward the Post-Washington Consensus, Wider Annual Lecture, Helsinki, Finland, 1998.

(2) Não necessariamente endógenas e originais. A cópia e a imitação - desde que bem feitas - são boas inovações para o estado actual da economia angolana. (Expansão)

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