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Terça, 30 Mai 2017 13:56

Os votos ainda não estão conquistados

Quando começou a pré-campanha eleitoral do MPLA, o seu cabeça-de-lista foi logo avisando que, para ganhar, o maior partido angolano teria de arregaçar as mangas e trabalhar muito. A julgar pelo espírito de autoconfiança entre os seus dirigentes, o MPLA parece acreditar que não precisa de trabalhar.

Por Ismael Mateus

Conquistar eleitores e dar sinais de mudanças. A máquina eleitoral do MPLA funciona como se a eleição já estivesse ganha e, em vez de passear um candidato, alteraram a terminologia para apresentação do futuro presidente. É, sejamos francos, uma autoconfiança que é desrespeitosa para com o eleitor, já que o maioritário parte do princípio de que, faça o que fizer, os seus eleitores são fiéis, são votos adquiridos.

Todos os cálculos racionais apontam para a vitória do MPLA, mas dar isso por adquirido é um erro de palmatória. O principal argumento para a projecção de uma vitória do partido no poder é a influência da sua máquina eleitoral em determinadas regiões. Há umas semanas dividimos o país em três divisões: A primeira divisão, que integra as províncias de Luanda, Huíla, Benguela, Huambo, Kwanza-Sul e Bié (por esta ordem de grandeza) e representa cerca de 70 % dos eleitores. Luanda (sozinha) tem cerca de três milhões de eleitores e representa 30% do total. A segunda divisão (Uíge, Lunda-Norte, Malanje, Moxico, Cunene e Cabinda, por esta ordem) representa 20% dos eleitores do país; ao passo que a terceira divisão representa apenas 10% dos eleitores e nela encontramos as províncias do Zaire, Lunda-Sul, Kwanza-Norte, Namibe, Kwando Kubango e Bengo. 

Se tivermos em conta os resultados das últimas eleições e a ausência nas províncias da "terceira divisão" de grande actividade da oposição, é previsível que o MPLA obtenha entre 80 a 90% dos votos desta divisão que totalizam 10% da totalidade dos votos. Calculamos assim que na terceira divisão o MPLA consiga no mínimo 8% da totalidade dos votos de 2017. Na segunda divisão, também há uma grande tradição de bons resultados do maioritário, nomeadamente no Uíge, Moxico e Cunene. 

No entanto, em Cabinda, Malanje e Lunda-Norte houve um crescimento da contestação às políticas do maioritário e é provável que se registe uma certa mobilidade do voto. Calcula-se que nessa segunda divisão o MPLA possa obter entre 50 a 60% da totalidade dos votos que esta divisão representa na globalidade. Isso quer dizer que o MPLA juntaria aos seus 8% da terceira divisão mais 10 a 12% da segunda divisão, perfazendo 20% da globalidade dos votos. Finalmente vem a primeira divisão que representa 70% da totalidade dos votos. Calcula-se porque na primeira divisão é onde a contestação é muito maior e a oposição tem maior penetração, que o MPLA possa conseguir no mínimo 40% dos eleitores desta divisão, ou seja, na primeira região o MPLA tem condições para objectivamente conseguir no mínimo 30% da totalidade dos votos. Juntando isso aos 20% das segunda e terceira divisões, permitiria ao maioritário chegar ao mínimo de 50% da totalidade dos votos e com isso a vitória.

Portanto, quando aqui admitimos a possibilidade de uma vitória do MPLA, não pretendemos obviamente entrar no jogo político, mas tão-somente analisar friamente os dados que se apresentaram. E como certamente essas análises também são feitas pelos quadros do partido no poder, há no ar uma onda daquilo que em língua vulgar se chama “achamento”, que leva a que os dirigentes do MPLA se sintam já vencedores e não se dêem ao trabalho de conquistar o voto, agradar aos eleitores e fazer concessões. Enquanto o governo do MPLA faz finca-pé em não aumentar os salários nem ajustá-los à inflação, sabe-se que na Administração Geral Tributária (AGT), nos tribunais e noutras instituições, há técnicos que ganham salários principescos. Não se diz uma palavra. Em meio a tanta contestação, diga-se, quase sempre justificável, o diálogo continua a ser feito apenas com os seus militantes e simpatizantes, incluindo até a apresentação do programa de governo que em vez de conquistar indecisos e a sociedade foi transformado numa festa partidária. 

Basicamente, o MPLA age como se a eleição fosse uma mera formalização da vitória. Enquanto a oposição anda pelos bairros  à conquista do voto de porta a porta, o MPLA parece não ter sequer   um candidato, mas antes um futuro  presidente que está a ser   apresentado às populações Outro exemplo vem da comunicação social. Enquanto os outros partidos lançam as suas figuras de proa e os lideres dão entrevistas e pedem debates, o MPLA continua a enviar pessoas de terceiras ou quartas linhas como se os seus dirigentes não se pudessem rebaixar ao ponto de vir falar como os seus concidadãos eleitores. 

Quando toda a gente pede por autarquias, o MPLA diz NIM  e nem sequer ensaia uma justificação para o facto de não ter cumprido a promessa e o que pensa fazer se ganhar as eleições. Mesmo quando rebenta um escândalo como o “Lava Jato”, que atinge directamente a sua anterior campanha eleitoral, o MPLA não sente na necessidade de falar nem de se explicar, porque “as eleições estão no papo”. Só a autoconfiança do MPLA não permite que não se veja que enquanto se fala de corrupção, são as velhas caras, as mesmas velhas caras de sempre, os que supostamente levaram o país ao estado actual, quem mais e quem se põe na primeira fila do futuro. É a mesma autoconfiança de que o eleitor está no papo e as eleições estão ganhas que leva a que ninguém faça um cálculo sereno e ponderado sobre os efeitos do anúncio da compra de mais 250 jeeps Lexus para futuros deputados, quando há alunos a “morrer de fome”, pessoas com problemas de saúde a não ter acesso à moeda estrangeira ou coisas mais graves. 

Basicamente, o MPLA age como se a eleição fosse uma mera formalização da vitória. Enquanto a oposição anda pelos bairros à conquista do voto de porta a porta, o MPLA parece não ter sequer um candidato, mas antes um futuro presidente que está a ser apresentado às populações.  

Na actualidade, têm ocorrido vários erros de sondagens que dão vitórias expressivas a uns e os resultados dizem o contrário. Na história do nosso continente, uma atenção especial deve ser dada ao Senegal, onde também existia o mesmo achamento. Depois de ter ganho com o seu Partido 

Democrático Senegalês as eleições de 2000 e de 2007, ambas com mais de 55%, Abdoulaye Wade resolveu avançar para o terceiro mandato, e o povo, o mesmo que o apoiara fortemente nos últimos anos, decidiu dar-lhe uma lição de democracia por se ter lançado para um terceiro mandato, a despeito de a Constituição do Senegal prever apenas dois mandatos para o Presidente. A vitória foi para Macky Sall e a sua Aliança pela República. Vimos o mesmo acontecerna Gâmbia, no Gana, na Zâmbia e outros países africanos, pela única razão de não prestarem atenção ao que dizem e esperam os populares. Todos os prognósticos e cálculos de vitória do MPLA não passarão disso se o partido no poder não baixar a crista, reduzir a sobranceria e fazer pela vida. 

É preciso respeitar o eleitor, agir com humildade e deixar de tomar medidas politicas que mais parecem provocações ou testes à ira dos eleitores.

NJ

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