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Quinta, 03 Mai 2018 22:25

Quem tem medo da democracia?

Diz o artigo 47º da CRA que “é garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei”, e que as reuniões e manifestações que se realizem em lugares públicos “carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei”.

Por Fonseca Bengui

A lei em vigor, que regula esta matéria, é a lei16/91, de 11 de Maio. Apesar de ser anterior à actual CRA (necessitando por isso de ser actualizada e adequada à actual lei mãe), define as condições específicas em que esse direito é exercido. Portanto, ela não deve ser entendida como tendo a finalidade de limitar ou coarctar o exercício desse direito fundamental. Antes pelo contrário, deve ser interpretada à luz da CRA e dos instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados por Angola, no sentido que possa facilitar que os cidadãos exerçam livremente este direito, num ambiente de segurança e tranquilidade, sem afectar a ordem pública e nem os direitos de outrem, sendo obrigação dos órgãos do Estado assegurar estas condições.

Esta lei, aliás, é uma das primeiras a serem aprovadas, com a abertura do país para a democracia multipartidária, em 1991, ao lado das leis de Imprensa, das Associações, da Greve e dos Partidos Políticos, porque têm a ver com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a essência de um regime democrático.

Portanto, a democracia que o país abraçou, em 1991, não se esgota no acto de eleição dos órgãos do poder político, e não pressupõe apenas deveres para os cidadãos. Tem a ver, também, e sobretudo, com o exercício dos direitos fundamentais, um dos quais é este consagrado no artigo 47º da Constituição de 2010.

O país assumiu este compromisso, que não tem volta, de tal modo que no seu artigo 2º a CRA deixa bem claro que “a República de Angola é um estado democrático de direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei”, bem como “o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa”. No nº 2 deste mesmo artigo encontramos: “A República de Angola promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como indivíduo quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas”.

No seu discurso de tomada de posse, a 26 de Setembro do ano passado, o Presidente João Lourenço reafirmou o compromisso de “aprofundar o Estado Democrático de Direito, reforçando as instituições e propiciando o exercício integral da cidadania, com uma acção mais incisiva da sociedade civil”.

Portanto, o Estado Democrático de Direito tem que ser real na vida do cidadão. A Constituição e as leis que dela emanam não podem ser letra morta, nem apenas instrumentos de diplomacia para serem apresentados nos organismos internacionais de direitos humanos. Esses comandos constitucionais devem ter reflexo na vida do cidadão.

É hora de as instituições do Estado perceberem que o país abraçou definitivamente a democracia, o Estado de direito, e que já não deve haver lugar ao arbítrio da administração.

Tudo isso vem a propósito das notícias que nos chegam de Malanje, onde, recentemente, o Governo proibiu dois grupos de jovens de realizarem manifestações. O motivo das manifestações seria exigir melhor governação e a libertação dos três jovens condenados pelo tribunal local, acusados de injúria às autoridades e atentado contra a segurança do Estado. Em contrapartida, também foi noticiado, uma marcha em apoio ao governo provincial não encontrou qualquer objecção. Uma prática, aliás, bastante usual no passado, que alguns governantes, como parece ser o caso de Malanje, pretendem perpetuar: proibir, reprimir, censurar e marginalizar as opiniões críticas e promover, apadrinhar, financiar (com dinheiro público) e dar visibilidade aos que se limitam a aplaudir.

Felizmente, há governos provinciais e administrações municipais que se distanciaram deste passado, adaptando-se ao novo ciclo político iniciado a 26 de Setembro último. É o caso do Cazenga, onde, há poucas semanas, vimos dezenas de cidadãos marchar, sem incidentes, exigindo melhor governação para o município. Ou da Huíla, onde moradores de alguns bairros do Lubango se concentraram defronte à administração municipal e ao governo provincial para exigir serviços sociais básicos para as suas comunidades como água, energia e segurança. Actos perfeitamente normais em democracia.

É preciso, pois, que a democracia, a Constituição e as leis sejam respeitadas e encaradas com mais seriedade, porque existem como uma conquista de Todos os angolanos, e não encarados como instrumentos de repressão ou obstrução do exercício dos direitos. A administração do Estado existe para cumprir e fazer cumprir a lei e servir a todos, com base no princípio da igualdade. Num país com mais de 40 anos de independência e quase 30 da implantação da democracia, com uma Constituição blindada por um vasto catálogo de direitos fundamentais, não é recomendável que os órgãos do Estado sejam encarados como tendo medo da democracia. JA

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