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Sexta, 22 Julho 2016 21:25

Mugabe perde um dos pilares do seu (velho) regime

Presidente do Zimbabwe é abandonado pelos veteranos de guerra. Na rua, enfrenta uma contestação social sem precedentes.

Os sinais de discórdia já vinham a surgir, mas esta foi a primeira vez que os veteranos da independência do Zimbabwe – um pilar de apoio ao regime até agora – se afastam categoricamente do Presidente Robert Mugabe. O grupo usou palavras como ditador, manipulador e egocêntrico para condenar o homem que há 36 anos lidera o Governo, diz a Associated Press.

Depois de uma reunião com dezenas de representantes vindos de todo o país, a Associação de Veteranos de Guerra da Libertação Nacional do Zimbabwe emitiu um comunicado na quinta-feira com duras críticas a Mugabe e desvinculando-se do líder. “Notamos, com preocupação, choque e consternação que há um endurecimento das tendências ditatoriais, personificado pelo Presidente e a sua corte, que lentamente devoraram os valores da luta pela libertação”, lê-se. Responsabiliza ainda a “liderança falida” pela crise económica, acusando directamente Mugabe de corrupção. “Esta podridão tem de ser sanada, e agora”.

A BBC explica que ainda não é claro se a decisão acolhe o apoio de todos os veteranos, mas diz que segundo algumas fontes a declaração reflecte não apenas a posição da associação, mas também de altas figuras militares.

O grupo é formado por homens e mulheres que durante a década de 1970 lutaram contra o domínio britânico, e que têm sido apoiantes leais do Presidente, dando-lhe força para exercer violência política quando era preciso afastar opositores. Mas no encontro de quinta-feira foram os veteranos quem lançaram slogans contra Mugabe e deixaram claro que não apoiarão mais as suas campanhas políticas. Acusam-no de os ter trocado pela juventude do Zanu-PF, o partido no poder. O Governo não comentou ainda a dissidência.

Vários membros da associação já tinham participado no movimento de protesto que no início do mês deixou o país paralisado. Lançado no Twitter com a hashtag #Zimshutdown2016, a campanha foi um momento raro de desafio aberto ao regime e juntou no mesmo lado motoristas de autocarros, funcionários públicos, comerciantes, jovens, professores, vendedores ambulantes, médicos…

A contestação, que já em Fevereiro levou milhares para a rua, voltou a ter como resposta da polícia o gás lacrimogéneo e tiros para o ar, segundo a AFP. Mas a população, governada há mais de três décadas com mão-de-ferro, já pouco teme para além da miséria.

O país atravessa uma grave crise económica desde o início dos anos 2000, e foi feita uma reforma agrária controversa e por vezes violenta que expropriou milhares de agricultores brancos das suas terras – programa que teve como rosto os veteranos de guerra. A inflacção desenfreada levou a que o dólar do Zimbabwe se tornasse inútil e desde 2009 que o país não tem moeda própria. A situação foi agravada este ano com uma enorme seca.

No meio de manifestações, a 6 de Julho, Zivanai Muzorodzi, porta-voz de uma associação de defesa dos direitos humanos em Masvingo, comentava à AFP: “Isto mostra que as pessoas não confiam no Governo. O Presidente prometeu empregos mas em vez disso as pessoas perdem o trabalho e vão para a cama de barriga vazia”, acusou. Os protestos são “um sinal da queda da economia. As pessoas já não têm nada a perder”.

Dumisani Nkomo, porta-voz da Coligação Contra a Crise no Zimbabwe, afirma que o país, onde 90% da população não tem emprego formal, “está a caminho de um ponto de não retorno e os cidadãos querem manifestar o seu mal estar através de todos os meios”.

A resposta de Mugabe aos protestos que se ouviram ainda esta semana? Quem não está contente com a situação no Zimbabwe que vá para fora.

Foi isso que disse directamente a Evan Mawarire, um pastor de uma pequena congregação em Harare, a capital, que acusa de estar na origem da greve nacional. Mawarire criou a hashtag #ThisFlag e reuniu milhares de apoios de cidadãos descontentes. O Guardian comentou que a sua iniciativa marcou um momento de viragem, tornando a contestação imparável nas redes sociais. Foi detido na semana passada e libertado depois de o tribunal retirar as queixas de subversão que lhe tinham sido lançadas. Agora partiu de facto, para a África do Sul. Mas disse à BBC que pretende regressar e que teme mais que as filhas o critiquem por inacção do que a resposta que o Governo terá preparada para si quando voltar. 

A verdade é que os pilares de sustentação do regime já foram bem mais fortes. Para além dos veteranos, o chefe do Exército afirmou, em Abril, que gostaria de ver o vice-presidente, Emmerson Mnangagwa, como candidato à liderança o Zanu-PF – levando Mugabe a avisar os militares para não se meterem na política.

O Presidente, de 92 anos, já tornou claro que tenciona voltar a candidatar-se em 2018 e continuar a governar. A sua mulher, Grace Mugabe (também chamada de “Gucci Grace" devido aos seus gastos extravagantes) chegou a ser falada como possível sucessora. Mas em Março, o líder informou que não iria designar ninguém para o papel. Será ele mesmo a ocupar o cargo, até morrer

O analista Gabriel Shumba, director do Zimbabwe Exiles Forum, com sede na África do Sul, considera que a perda do apoio dos veteranos “deslegitima fortemente Mugabe, mais não seja porque ele sempre usou as suas credenciais de guerra”. “A juventude pode dar-lhe o músculo de que ele precisa agora, mas não comanda nenhum organismo político significativo”, disse à AFP.

“A aliança que juntava Exército, vice-presidente e os reverenciados veteranos de guerra tem mantido Mugabe no cargo, legitimando o seu poder e esmagando consistentemente toda a oposição desde os anos 1980”, escreveu o Guardian a 8 de Julho. Sem este apoio, é mais provável que o seu reinado fique comprometido”.

Publico

 

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