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Domingo, 30 Dezembro 2018 10:52

Tensão e incerteza na corrida a três pela presidência da RD Congo

É o país de guerras que mataram milhões já neste século e do prémio Nobel da Paz Denis Mukwege, do cobalto, essencial para as baterias de smartphones e veículos elétricos, e de um dos últimos habitats para os ameaçados gorilas da montanha. A RD Congo vai a votos em clima de tensão e incerteza.

A República Democrática do Congo é um dos países que se encaixam na categoria "amaldiçoados pela riqueza". Diamantes, ouro, cobre, cobalto ou madeira continuam a ser extraídos do segundo maior país de África mas só servem para alimentar elites corruptas, senhores da guerra e empresas estrangeiras. Entre os 81 milhões de habitantes, o Programa Alimentar Mundial estima que haja 7,7 milhões em insegurança alimentar e 4,5 milhões de refugiados. "O povo congolês sofre os efeitos de conflitos e instabilidade prolongados, pobreza crónica, subdesenvolvimento, violações dos direitos humanos e insegurança", lê-se no relatório da organização das Nações Unidas.

A instabilidade política agravou-se nos últimos meses, com a oposição a exigir a realização das eleições, que deviam ter ocorrido em 2016. Joseph Kabila, no poder desde 2001 (sucedeu ao pai, Laurent, assassinado por um guarda-costas), está impedido de se recandidatar pela Constituição, mas adiou por duas vezes o ato eleitoral. A juntar-se a isso, dezenas de grupos armados ameaçam e matam homens, violam mulheres e crianças, onde uma epidemia de ébola se difunde no leste do país e 71% dos congoleses vivem com menos de um dólar por dia.

Até hoje as palavras que adornam o escudo da República Democrática do Congo - justiça, paz, trabalho - são uma quimera. Os líderes dos países vizinhos mostram preocupação com o ato eleitoral e têm motivos para tal: desde a independência da Bélgica, em 1960, o então Zaire não conheceu uma transição pacífica.

Vizinhos preocupados

Reunidos em Brazzaville, no Congo vizinho, os presidentes do país anfitrião (Denis Sassou N'Guesso), de Angola (João Lourenço), Namíbia (Hage Geingob), Zâmbia (Edgar Lungu) e Botsuana (Mogweetsi Masisi) manifestaram "forte preocupação" pelos atos de violência na campanha para as eleições de domingo na RD Congo e apelaram para o apaziguamento da classe política e da sociedade civil. Durante a campanha, mais de uma dezena de pessoas perderam a vida, embora o governo não tenha admitido a existência de mortes.

No mesmo dia da reunião da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos, quarta-feira, a comissão eleitoral congolesa anunciou o adiamento do escrutínio para março em Beni e Butembo, na província do Kivu Norte, e Yumbi, em Mai-Ndombe, duas zonas em que se registam conflitos, mas que também estão a ser afetadas pelo ébola. São 1,3 milhões de eleitores a menos entre os 39 milhões de inscritos.

Também o secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou para um "ambiente livre de violência". Em comunicado, o porta-voz do português lembrou que esta é uma "oportunidade histórica de participar na consolidação das instituições democráticas do país".

Compromisso pela paz rejeitado

Na véspera das eleições, o candidato designado por Kabila, Emmanuel Ramazani Shadary, apresentou um documento, também assinado pelo presidente da comissão eleitoral, Corneille Nangaa, a comprometer os candidatos a rejeitarem "a violência sob todas as formas". Mas os dois principais opositores, Martin Fayulu e Félix Tshisekedi, alegaram que só assinariam um pacto dessa natureza se incluísse emendas que obrigassem a comissão eleitoral a assegurar a contagem manual dos votos e a permitir que os observadores assistam à contagem dos votos.

O regime não autorizou a participação de observadores da União Europeia nem da Fundação Carter, nem o apoio logístico da missão da ONU, a Monusco. Os observadores são maioritariamente da Conferência Episcopal do Congo, mas também da União Africana e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral. Em 2011, o arcebispo de Kinshasa deu o veredicto sobre a vitória de Kabila: os resultados não são conformes "nem à verdade nem à justiça".

As dúvidas sobre a transparência e a justiça do ato eleitoral são imensas. Um incêndio num armazém com material eleitoral e máquinas de voto, em Kinshasa, destruiu mais de dois terços das máquinas que iriam estar a serviço na capital e obrigou ao adiamento das eleições numa semana. Grande parte do imenso país não tem eletricidade nem água potável, mas o voto vai processar-se através de uma máquina de voto de tecnologia sul-coreana. O eleitor escolhe os candidatos da tripla eleição (além de presidenciais, há legislativas e regionais) numa espécie de tablet. A escolha será impressa e transmitida ao eleitor, o qual, por fim, depositará o voto na urna.

Além das dúvidas levantadas sobre as hipóteses de fraude e de o sistema não ter sido testado, juntam-se as possíveis falhas de eletricidade e um menor número de máquinas ao serviço poderem levar a filas de horas - e à impossibilidade de muitos votarem. Segundo Sylvain Lumu, da missão de observação Symocel, a capital pode registar filas de até 20 horas.

A comissão eleitoral promete dar os primeiros apuramentos em 48 horas, mas só anunciará os resultados provisórios no dia 6 de janeiro.

Há 19 candidatos nas eleições presidenciais a uma só volta, mas só três têm hipóteses de vencer, graças à sua notoriedade e à capacidade financeira da campanha. Um é o herdeiro do presidente cessante, Joseph Kabila, os outros dois rivalizam como candidatos da mudança.

Emmanuel Ramazani Shadary

Homem de confiança de Kabila, foi designado em agosto seu sucessor ou, como classificam os críticos, seu "fantoche". Aos 58 anos, ascendeu à liderança do Partido Popular pela Reconstrução e Democracia, após ter sido ministro do Interior. Nessa posição foi o responsável pela onda repressiva aos manifestantes contra a permanência de Joseph Kabila no poder, o que lhe valeu um lugar na lista dos 14 congoleses sancionados pela União Europeia por "graves violações dos direitos humanos".

Antes, Shadary foi deputado e governador. Durante a campanha, em que beneficiou do aparelho de Estado congolês, prometeu criar emprego e combater a pobreza do país e ao mesmo tempo reforçar a autoridade do Estado.

Martin Fayulu

Em três meses o candidato da coligação Lamuka (Acordar) deixou de ser quase desconhecido e passou a ser o adversário mais proeminente da candidatura que está no poder. É o favorito segundo uma sondagem da Congo Research Group: 47%, contra 24% de Félix Tshisekedi e 19% de Shadary. Ex-gestor da petrolífera Exxon Mobil, de 62 anos, emergiu de uma reunião em Genebra, em novembro, entre os sete principais líderes da oposição, como o candidato da oposição unida.

A união, contudo, terá durado apenas um dia: Félix Tshisekedi e Vital Kamerhe retiraram-se do acordo, mas Fayulu manteve a aura do candidato unificador, bem como o apoio de dois pesos-pesados, o antigo senhor da guerra Jean-Pierre Bemba e o homem de negócios Moïse Katumbi. Ambos impedidos de concorrer às eleições, apelaram ao voto em Fayulu. Este tem ainda outro ponto a favor: ao ter participado nas manifestações contra Kabila, quer em 2016 quer em 2017, ganhou reputação de homem corajoso.

Félix Tshisekedi

Após ter sucedido ao falecido pai, o histórico líder da oposição Etienne Tshisekedi, à frente da União para a Democracia e o Progresso Social (UDPS), Félix, de 55 anos, foi visto como o candidato natural do partido nas presidenciais. A UDPS, maior partido político congolês, não aceitou o resultado da reunião de Genebra, que designou Fayulu como o candidato comum da oposição.

O partido e Félix forjaram uma aliança com outra figura da oposição, Vital Kamerhe, ex-presidente do Parlamento e candidato às eleições de 2011, como Etienne. Apelidado de Camaleão, em caso de vitória terá como prémio o cargo de primeiro-ministro.

Félix Tshisekedi, que em público usa um chapéu e uns óculos à imagem do seu pai, promete a paz no nordeste e no centro do país e combater a corrupção.

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