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Quinta, 29 Setembro 2016 10:39

“Querem calar as vozes do livre pensamento” - Músico Waldemar Bastos fala de Angola

Waldemar Bastos, cantor angolano e grande voz dos Direitos Humanos falou ao CONTACTO de Angola, entre sentimentos, ideais, fé e música. A 11 de Outubro o cantor abre o Festival Atlântico na Philharmonie, onde promete cantar “o sol e o luar”.

CONTACTO: É uma voz activa contra as disparidades em Angola tendo mesmo escrito “Pra quê tanta dor/pra quê tanto ódio/… /Angola é tão grande/tão rica e tão linda/que dá para todos nós” na canção “Sofrimento”...

Waldemar Bastos: É um sentimento verdadeiro do que se estava e continua a passar. Foi uma reflexão profunda de um sentimento colectivo, não só em Angola, mas noutras partes do mundo. É a expressão de um povo que precisa de dias melhores.

E Angola, precisa de quê?

É preciso uma Angola na qual todos tenham possibilidade de viver e de usufruir do país e isso não acontece.

É bem-vindo no país?

Pelo povo, pelo poder naturalmente que não. Não concordo com a má distribuição da riqueza.

Mas voltou?

Voltei várias vezes, sobretudo como artista, poucas como anónimo. Sempre que tentei fazer algo, tudo me foi impossibilitado. Querem calar as vozes do livre pensamento.

E continuam a calar...

Está muito explícito. Eu sempre cantei e lutei pela liberdade, porque também é obrigação do artista ser consciente. É preciso abrir as portas da liberdade, não só através da música como também com atitudes e comportamentos. Por norma, o poder não gosta dos artistas que são uma referência para o povo. Nós não gostamos da falta de partilha de riqueza, e o poder não gosta disso.

Como o caso do Luaty Beirão e dos outros activistas?

Os jovens sempre tiveram anseio de liberdade e desta vez gritaram bem alto que não se podiam exprimir. Foi uma atitude colectiva da qual se destacou o Luaty por ser músico, mas todos passaram por maus bocados. Mais uma vez, a música foi o porta-voz, porque tem esse poder, e foi barrada.

No anos 60, quando ainda morava em Angola, o que cantava?

Cantava a independência e a ansiedade de uma libertação, mas também se cantava a cultura, as alegrias e anseios, a beleza de um pássaro, a imensidão das florestas e das montanhas. A minha forma de compor é também cantar a natureza e até a culinária.

Já em criança e na juventude, a música estava presente na sua vida...

Em criança, já tinha um acordeão e tocava de ouvido. Na juventude, tive várias bandas. Éramos estudantes e tocávamos em clubes, casamentos, bailes de finalistas, aliás tocávamos sempre que era solicitado. Claro que tocávamos os ’covers’ da moda, mas como eram vários grupos musicais tínhamos de nos esmerar, de nos superar, era uma competição saudável.

Não se deixou ficar por Angola, sabia que tinha uma predisposição nata para a música...

Muitos anos depois dessas experiências de adolescente e de várias experiências em Angola, viajei como músico para o Bloco de Leste, até porque Angola era também um sistema marxista. Foi nessas viagens que compreendi que tinha de dar asas à minha arte. Até que um dia, viajei para Portugal, para tocar no FITEI, e abandonei a delegação. Acabei por ir para a Alemanha Federal e para o Brasil, queria conhecer o outro lado.

Considera que a sua música tem África ou é World Music?

Para mim, música é música, boa ou má! Sou africano, nascido em Angola, mas desde a infância que ouvi música de todo o mundo. Penso que expressa a minha personalidade, o meu ser mestiço, não só biológico como também cultural.

Como é a sua compreensão do mundo, é cantar as culturas?

Basicamente é gostar de tudo de bom que o mundo tem para oferecer, inclusive as culturas. Todas têm coisas boas e é óptimo conseguirmos reunir em nós o que de bom os outros têm. Claro que tenho a minha espinha dorsal e alma, mas que incorpora outras. A música tem o cheiro do sabor português e brasileiro e tem a viagem ao universo. É a minha natureza!

Com uma carreira de décadas, ainda se revê nos temas dos primeiros tempos?

Sempre, porque quando componho, faço-o com profundo sentimento em prol da esperança. 

É essa esperança que o move? A mesma que quem o escuta procura?

Como bem se diz, “a esperança é a última a morrer” e ela existirá até haver toda a fraternidade que ainda hoje falta ao mundo. Posso dar o exemplo de uma alemã que tinha perdido a fé, no entanto quando me ouviu disse que o seu coração tinha voltado a pulsar. São estes pequenos exemplos, mas de grande amplitude, que justificam a minha posição. Sinto-me confortável por saber que a minha música é terapia.

Como se sente ao saber que toca tanta gente?

Tenho consciência que a arte e o talento vieram comigo, e levo a música como uma missão, a de dar alento e esperança. Quero desemprenhar esse papel com humildade.

Traz o espectáculo “Cores de Sentimento” ao Festival Atlântico no Luxemburgo…

Sim, é um canto de esperança, no sentido mais lato do ser humano. Traz fraternidade, amor e beleza. “Cores do sentimento” significa as diferentes cores de um sentimento, como alegrias e tristezas. Haverá canções de sol e de luar. Será um momento de beleza e esperança por um mundo melhor.

O que o faz feliz?

Não posso ter a felicidade constante, mas são os pequenos momentos que me fazem sentir bem. E fazer o bem também me faz sentir bem, tornar a vida mais bela.

Vanessa Castanheira | CONTACTO

 

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