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Sexta, 16 Março 2018 16:18

Governo sem dinheiros e encerra serviços de cirurgia cardíaca no Hospital Josina Machel

O serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardíaca do Hospital Josina Machel, em Luanda, encerra as portas no final deste mês de Março. Em causa está uma dívida do Ministério da Saúde para com a empresa Intercontinental Trading Company Lda (ITC), que, além de anular alguns serviços, não paga salários aos trabalhadores, há mais de seis meses.

Os trabalhadores da ITC revelaram que a empresa tem um acordo com o Ministério da Saúde para a instalação de equipamentos, formação de especialistas angolanos e exploração da área de cardiologia por um período de dez anos, iniciado em 2008. Agora, findo o prazo, é desconhecida a entidade que vai tratar das cirurgias cardíacas.

“Ouvimos que os serviços vão para o Hospital Geral de Luanda ou para uma clínica privada”, admitiu um enfermeiro, que trabalha desde a criação do serviço no hospital público. A empresa, que iniciou a actividade com mais de 150 funcionários, vê-se forçada, desde 2015, a reduzir a força de trabalho, em razão do facto de o Ministério da Saúde ter diminuído o valor que, por força do contrato, dava à ITC, estando, actualmente, a desembolsar 25 por cento do montante acordado.

“Foi assim que a empresa começou a ter dificuldades em pagar salários e, na medida que a crise assola, vai fazendo suspensão de contratos, até a situação financeira ser recuperada”, disse um médico.

As nossas fontes referem que a área funciona a meio gás e está sem realizar cirurgia, comprometendo, por exemplo, a vida de pessoas que precisam de marca-passo, um aparelho que é implantado em portadores de diversas doenças do coração e tem a função de observar e corrigir os defeitos do ritmo cardíaco, e de realizar o exame de  cateterismo,  um procedimento feito para identificar e tratar doenças do coração e dos vasos sanguíneos.

“Houve uma diminuição drástica de todos os procedimentos”, explica outro enfermeiro, que acrescenta haver funcionários sem salários há nove meses.

Alguns médicos expatriados regressaram aos seus países por falta de salário. Apreensivos com a situação, os trabalhadores afirmam que os especialistas estrangeiros (cubanos e brasileiros) tinham a responsabilidade de formar quadros nacionais para, mais tarde, o Ministério da Saúde dar continuidade aos serviços.

Com o encerramento dos serviços, a equipa médica vai para o desemprego com toda a experiência adquirida, sem salários e sem indemnização.

Uma fonte do Jornal de Angola antevê que, caso o serviço de cirurgia seja entregue a clínicas privadas, o Estado vai gastar muito dinheiro, como acontece no serviço de hemodiálise.

Uma cirurgia realizada no Hospital Josina Machel, explica a fonte, poupa 80 mil dólares aos cofres do Estado, valor que a Junta Nacional de Saúde paga no exterior do país com um paciente. Numa clínica privada, a fonte prevê que o preço fique acima de 50 mil dólares. “O exame mais barato custa dois mil kwanzas no Josina Machel, e em clínicas chega a custar mais de 10 mil kwanzas”, informou a fonte. 

Até há três anos, eram realizadas duas cirurgias por dia. No ano passado, havia baixado para uma por semana. A última cirurgia foi realizada em Novembro do ano passado.

Neste momento, os pacientes internados estão a ser mandados para casa com um relatório para apresentarem à Junta Nacional de Saúde, que também reclama da falta de verbas para enviar pacientes ao exterior em tratamento. Na semana passada, um doente morreu na unidade com uma paragem cardíaca por falta de logística para a cirurgia.  

No Hospital Josina Machel chegam todos os dias pacientes vindos de outras províncias, sem familiares em Luanda. “Sem um outro hospital com capacidade de receber estes pacientes, alguns podem acabar por morrer”, lamenta.

Em média, cerca de 300 doentes eram atendidos, por mês, na área de Cardiologia, e a maior parte  vinha de Cabinda, Benguela, Huíla, Namibe, Uíge e Huambo.

“A nossa preocupação é o não pronunciamento do Ministério da Saúde em função do futuro destes pacientes. Estamos sem salários e não sabemos o que dar aos nossos filhos”, dizem os trabalhadores.

Estado tem dificuldade em pagar um milhão de dólares por mês

O Jornal de Angola contactou a empresa Intercontinental Trading Company Lda (ITC), que não avançou o montante actual da dívida do Ministério da Saúde. Uma fonte informou que, nestes últimos três anos, o ministério apenas paga 250 mil dólares, ao invés de um milhão de dólares por mês, previsto no contrato.

Ednise Woyciechowski, administradora da empresa ITC, confirmou que o Serviço de Cardiologia do Hospital Josina Machel  iniciou a actividade em Novembro de 2008, por meio da contratação pelo Ministério da Saúde para a construção, apetrechamento, gestão do serviço e capacitação da equipa técnica.

Por força do contrato eram feitos atendimentos a doentes nas áreas de cardiologia clínica, hemodinâmica, cirurgia cardíaca e cuidados intensivos coronários. Fazendo um historial, Ednise Woyciechowski lembrou que a ITC,  uma empresa de direito angolano, estabeleceu, no âmbito do Serviço de Cirurgia Cardíaca e Cardiologia, contrato com o Ministério da Saúde por iniciativa do Governo, devido à necessidade que este tinha de reforçar a capacidade de resposta assistencial e reduzir a evacuação de pacientes para o exterior do país.

Em relação às dificuldades financeiras e económicas do país e às restrições orçamentais do Ministério da Saúde, desde Janeiro de 2015, a responsável declarou que o Serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardíaca do Hospital Josina Machel recebe valor parcial do contrato, provocando constrangimentos e a redução ou paralisação de alguns serviços.

A ITC confirma ter dificuldades em pagar salários,  adquirir insumos e fazer manutenção às instalações. Actualmente, cerca de 200 pacientes estão na lista de espera para tratamento e procedimentos cirúrgicos.  “Temos pacientes na lista de espera para consultas há seis meses”, frisa Ednise Woyciechowski.

O Serviço de Cardiologia do Hospital Josina Machel respondia sempre à procura que houve por parte de pessoas com doenças do coração e tornou-se a principal unidade assistencial, declara Ednise Woyciechowski, acrescentando ter havido “uma procura espontânea acima de 90 por cento”.

O Serviço de Cardiologia do Hospital Josina Machel  é destino principal das transferências de pacientes provenientes de todas as províncias do país, assegura a responsável.  Ednise Woyciechowski refere que a empresa, preocupada em prestar o melhor atendimento aos pacientes, havia assumido o serviço ambulatório de cardiologia do Hospital Josina Machel, aberto ao público na área de consultas externas, e a ala da enfermaria cardiológica,  com 36 camas.

A ITC assegura que fez reforma na enfermaria cardiológica e no laboratório de análises clínicas de cardiologia, tendo instalado equipamentos adquiridos para o cumprimento do contrato.

“O serviço eliminou a lista de espera da Junta Nacional para  procedimentos cirúrgicos, hemodinâmica e implantes de marca-passo, reduzindo custos para o país”, destaca  Ednise Woyciechowski.

Desde 2008,  a ITC realizou 1.500 cirurgias cardíacas e implantes de marca-passo; 1.600 procedimentos de hemodinâmica  (angioplastias e cateterismos); 40 mil consultas de cardiologia; 14 mil exames de ecografia; seis mil testes de esforço, mapas e holters e 150 mil exames laboratoriais.

Comissão de Avaliação

O Ministério da Saúde nega qualquer intenção de anular os serviços de cardiologia no Josina Machel e transferi-los para uma clínica privada.

Segundo um comunicado a que tivemos acesso, em Dezembro do ano passado foi exarado um despacho que cria uma Comissão Técnica de Avaliação do Projecto de Cirurgia Cardíaca e lança bases para a redução de custos e aumento do número de técnicos nacionais formados, bem como a sustentabilidade do projecto. JA

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