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Sexta, 22 Dezembro 2017 09:24

2018: Angola entre a crise e um novo tabu de José Eduardo dos Santos

A recuperação económica e a diversificação da economia, entre a continuada crise petrolífera, voltam a centrar, em 2018, as previsões para Angola, agora governada por João Lourenço, perante a dúvida da continuidade de José Eduardo dos Santos na liderança do MPLA.

Empossado como terceiro Presidente da República de Angola a 26 de setembro, sucedendo a José Eduardo dos Santos e à sua liderança de 38 anos, João Lourenço admitiu em novembro as dificuldades que tem pela frente, desde logo ao colocar a tónica no combate à corrupção.

"Sei que existem inúmeros obstáculos no caminho que pretendemos percorrer, mas temos de reagir e mobilizar todas as energias para que esse cumprimento se efetive nos prazos definidos", apontou.

Seguiram-se dezenas de exonerações que terminaram com o legado do ex-chefe de Estado, incluindo a própria filha, Isabel dos Santos, que José Eduardo dos Santos colocou, 17 meses antes, na presidência do conselho de administração da petrolífera estatal, a estratégica Sonangol.

A decisão, juntamente a outras sempre associadas a uma rutura com o legado governativo do anterior Presidente, deu a João Lourenço uma popularidade que não tinha antes de ir a votos. Contudo, a legitimidade das urnas aparenta chocar com a liderança do partido que venceu essas mesmas eleições e que, por exemplo, já teve antes de aprovar a formação do novo Governo.

Em março de 2016, José Eduardo dos Santos, Presidente angolano e líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), anunciou que se retirava da vida política em 2018, mas sem nunca esclarecer em que moldes. Antes, entre março de 2016 e fevereiro de 2017, alimentou o tabu sobre a sua recandidatura ao cargo de Presidente da República.

Já com João Lourenço - que é também vice-presidente do partido -, como chefe de Estado, José Eduardo dos Santos viu o 'bureau' político do MPLA homenageá-lo, recordando-o como "arquiteto da paz" e "de quem os angolanos herdaram um país unido".

Antes, no final de outubro, foi a vez do comité central proferir uma declaração de apoio a José Eduardo dos Santos: "Exorta os militantes, os simpatizantes e os amigos do MPLA a cerrarem fileiras em torno do MPLA e do seu Líder, o camarada presidente José Eduardo dos Santos", pode ler-se no comunicado final da primeira reunião ordinária do comité central realizada após as eleições gerais.

É neste cenário, entre aparentes e constantes ameaças aos interesses da família de José Eduardo dos Santos e de um regime de quase quatro décadas, e a indefinição sobre a sua saída da liderança do partido, apesar de ter um mandato válido até 2021, que Angola entra em 2018.

Uma bicefalia que, mesmo sendo uma questão de partido, como admitiu à Lusa Manuel Vicente Inglês Pinto, comentador político e ex-bastonário da Ordem dos Advogados de Angola, deve ser rapidamente esclarecida.

"É um problema que afeta, e de que maneira, a sociedade. Não podemos ser ingénuos", afirma Inglês Pinto, embora sublinhando que a continuidade de ambos nos respetivos cargos não afeta a governação, pela separação entre partido e Governo, matéria em que a "Constituição é clara".

A convocatória, por José de Eduardo dos Santos, de um congresso extraordinário do MPLA para novas eleições para o partido é, para o jurista, de 60 anos, um dos mistérios de 2018.

Para Inglês Pinto, a abertura que se vê hoje em Angola não era possível "ainda há poucos meses", e que as críticas às mudanças, que deverão continuar em 2018, partem de "jovens inexperientes na vida".

João Lourenço "está a fazer o que está previsto na Constituição. Estamos no bom caminho, mas é preciso um trabalho de equipa", avisou.

"Sem medo algum de errar, digo que se o MPLA não levasse o discurso de combate à impunidade, à corrupção, de certeza absoluta que os resultados eleitorais não seriam estes. Não está a fazer mais do que cumprir as palavras da campanha eleitoral", disse

"Em última análise", sustentou Inglês Pinto, João Lourenço está a "cumprir com o programa do MPLA dos anos 50: o bem-estar da população, o desenvolvimento do país, a consolidação da expressão de uma independência total e completa".

No plano económico, com um crescimento insignificante em 2016 e pouco melhor em 2017, à volta de 1%, João Lourenço já fez saber que o próximo ano não será de facilidades.

Com um Orçamento Geral do Estado que só deverá entrar em vigor em março, atrasado devido às eleições gerais de agosto, o Governo liderado por João Lourenço aprovou um plano intercalar com medidas que o próprio documento, sem rodeios, descreve como "impopulares", a implementar até ao final do primeiro trimestre.

Já em 2018 será preparada a introdução em Angola do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), a vigorar a partir do ano seguinte, e cortes em vários níveis da receita pública, além de privatizações e outras "medidas de política necessárias e inadiáveis", que serão "politicamente sensíveis", como a desvalorização, prevista, do kwanza.

Dificuldades a que se juntam as da Sonangol, já com Carlos Saturnino no lugar de Isabel dos Santos, com a petrolífera mergulhada numa dívida superior a 7.000 milhões de dólares e quase sem dinheiro para investir na prospeção de petróleo.

No plano político, a forte popularidade que João Lourenço garantiu ao romper com a estrutura que recebeu de José Eduardo dos Santos, será ainda um teste à oposição. A UNITA, maior partido da oposição, ainda terá de clarificar em 2018 a liderança, depois de Isaías Samakuva, presidente desde 2003, ter anunciado a saída, enquanto na CASA-CE, Abel Chivukuvu tenta, de novo, encontrar uma base para a adiada transformação da coligação em partido político.

Ainda no capítulo da impunidade e luta anticorrupção, o novo Procurador-Geral da República, a escolher e empossar este mês por João Lourenço, sucederá a 10 anos polémicos no cargo pelo general João Maria de Sousa, nomeadamente com críticas por não investigar denúncias que foi recebendo e a forma como conduziu outras.

Ao novo procurador caberá ainda gerir o processo em torno do julgamento que os tribunais portugueses querem realizar ao caso envolvendo o ex-vice-Presidente da República angolano, Manuel Vicente.

Depois de o Presidente João Lourenço já ter excluído Portugal, em setembro, da lista de países prioritários para Angola em termos de cooperação, o caso em torno deste julgamento promete ser o maior teste à diplomacia angolana.

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