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Quarta, 20 Julho 2016 16:19

Prédios vazios em Luanda arranham os céus da crise Angolana

No pós-guerra foram construídos mais de mil prédios de grande dimensão em Luanda, alguns de grande luxo... quase todos de qualidade... todos caros. Mas muitos, há quem fale em largas dezenas, estão vazios. As razões são muitas. A crise é a primeira responsável. As questões sociológicas e culturais também têm o seu papel.

É fácil apontar a crise económica e financeira que se abateu sobre o país como justificação para a existência de dezenas de edifícios, novos e de qualidade, vazios em Luanda. Mas quem conhece bem o sector imobiliário em Angola, à crise acrescenta outras menos óbvias.

Pedro Berardo, arquitecto que trabalha e vive em Angola desde 1999, lembra ao Novo Jornal Online um factor pouco tido em conta quando as empresas decidem, ou decidiram, investir na construção de prédios de elevada volumetria e densidade: as questões culturais.

"Se, por um lado, compreendendo-se isso, as construtoras e os investidores apostaram em prédios em altura para responder à falta de habitação de qualidade no pós-guerra, em Luanda, especialmente a que era procurada por quadros expatriados das petrolíferas ou das financeiras, poucos foram os que se debruçaram sobre as questões culturais", afirma este arquitecto, que garante fazer pouco sentido excluir as questões culturais e sociológicas dos projectos imobiliários.

E um dos pontos que sublinha é que, "nas culturas africanas, onde as famílias são mais abrangentes que na Europa, por exemplo, viver num apartamento de um 16º andar não é, está claro, a solução ideal."

Mesmo que o seja para os expatriados, "naturalmente que esse mercado estaria, mais cedo ou mais tarde, saturado e as classes media alta e alta angolanas, mesmo que tenham apostado nessa solução no início, para fugir ao trânsito, por exemplo, começaram, apesar de lentamente, a sair para habitações com quintal ou jardim na periferia", onde é possível convidar mais pessoas para um almoço.

"Facto é que a maioria dos angolanos não gosta de viver em altura. É mesmo sociologicamente pouco sensato não ter isso em conta", diz Pedro Berardo a partir da sua experiência de 17 anos em Angola, sublinhando que essa é, mesmo não sendo a mais preponderante, "uma das razões para o esvaziamento de prédios em Luanda".

Sem deixar de ter em permanente atenção que o fenómeno do esvaziamento dos prédios de Luanda, ou, pelo menos de algumas dezenas deles, tem na falta de dinheiro na economia angolana por causa do baixo preço do petróleo, a sua grande razão de ser, ou até os preços extraordinários dos terrenos para projectos imobiliários que exigem altura para serem rentáveis, Pedro Berardo entende que "ignorar as questões culturais, sociológicas, é um erro" e o próprio diz que previu este problema quando se deu o boom da construção.

A perspectiva sociológica

O sociólogo Paulo de Carvalho admite ao Novo Jornal Online que se tem confrontado com esta questão e tende a concordar com a visão do arquitecto Pedro Berardo sobre a discrepância entre este tipo de oferta imobiliária e a tradição africana, embora prefira olhar para a construção em altura como "um efeito do sentimento megalómano" que alguns sectores da sociedade angolana "demonstram através do esbanjamento", mesmo depois de ser claro que "o modelo estava esgotado".

Defende também que deve ser olhada e analisada com conta, peso e medida a questão muito apreciada pela antropologia de que as populações devem viver de acordo e em harmonia com a sua tradição, porque, por vezes, essa condição pode gerar constrangimentos pouco recomendáveis.

"Há já alguns anos que é evidente que a permanente construção de edifícios de grande volumetria em altura deixou de corresponder a uma necessidade real", argumenta Paulo de Carvalho e pergunta: "Há necessidade disto, há procura para este tipo de luxo?", adiantando a resposta sustentada no que se vê: "Não, tudo indica que não". Mas nem por isso parou... excepto com a chegada em forma da crise, aponta Paulo de Carvalho.

Outro dos pontos que para o sociólogo emerge como óbvio é que o tipo de construção que se vê hoje no centro de Luanda "está desenquadrado da sua história, descontextualizado daquilo que deve ser um espaço nobre para os monumentos e espaços culturais", sendo, isso sim, "mais natural na periferia da cidade", apontando o exemplo de Benfica, onde vive e onde o próprio também se confronta com a escassa ocupação de novos empreendimentos imobiliários.

Mas há um aspecto positivo na abordagem que Paulo de Carvalho faz à existência de tantos prédios novos vazios, ou escassamente ocupados, em Luanda: "A densidade do trânsito baixou", tornando a cidade menos opressiva e mais respirável, gerando menos stresse a quem a ela ocorre ou nela vive.

O forte apelo da fortuna fácil

São conhecidas em Luanda muitas histórias de enriquecimento com o imobiliário, com, por exemplo, apartamentos de escassa qualidade em prédios antigos que, entre 2002 e 2010 permitiam vidas folgadas na Europa, manter filhos a estudar no estrangeiro, etc.

Mas também as que possibilitaram verdadeiras fortunas graças ao aluguer de apartamentos às petrolíferas ou as multinacionais financeiras, que, apenas num contrato de arrendamento de cinco ou 10 anos, pagaram o custo total do investimento, por inteiro e de uma só vez.

E, naturalmente, com a crise do petróleo, esses apartamentos das petrolíferas ficaram vazios com a saída do país dos seus quadros sem que as classes mais altas nacionais os possam, ou queiram, alugar ou comprar ou até mesmo porque estas empresas aguardam por melhores tempos para fazerem regressar os seus funcionários.

Mas as contas não são difíceis de fazer. Entre 2002 e 2010, o metro quadrado de um terreno para construção podia chegar aos oito mil dólares em Luanda, por vezes bastante mais, o que, para um lote de mil m2, representa um investimento inicial de, pelo menos, oito milhões de dólares.

Isto, para que o investimento seja possível e rentável, só a construção em altura é opção. E, depois de algumas experiências protagonizadas por construtoras, nacionais ou internacionais, de grande sucesso, a experiência foi sendo replicada a ponto de o "sky line" de Luanda ficar pejado de torres modernas, muitas delas apanhadas com as gruas no ar pela crise económica. Algumas ficaram por concluir, outras foram acabadas para ficarem vazias até que melhores dias regressem.

Mercado de segundas núpcias

Os primeiros edifícios de habitação de elevada volumetria em altitude erguidos em Luanda, foram ocupados de imediato pela classe alta e pelas empresas dos sectores petrolífero e financeiro, surgindo um desajustamento entre a oferta e a procura porque as classes mais altas e as empresas com grande capacidade, por não serem muito numerosas, rapidamente satisfizeram as suas necessidades.

Já a construção, soterrada pela crise, explicam fontes do sector imobiliário ao Novo Jornal, só mais tarde começou a abrandar, desirmanada da realidade que se vinha impondo pela saturação do mercado dirigido aos expatriados e às classes mais altas da sociedade angolana.

Ao que o Novo Jornal concluiu nesta recolha de informações, a escassa vitalidade do mercado que ainda subsiste, deve-se à procura de melhores e mais luxuosos locais, apesar de para trás, os quadros superiores nacionais ou expatriados e a restante classe média alta e alta, deixarem já edifícios de elevada qualidade que não são reocupados, o que deixa perceber que a dinâmica não é muito forte.

Este cenário gera o tal universo em crescimento dos edifícios com escassa ou mesmo nenhuma ocupação, "com prejuízos que, por vezes, seja em manutenção, seja mesmo em reparações ou gastos em energia e segurança, atingem vários milhares de dólares por dia", enfatizam as mesmas fontes.

Outro dos sinais visíveis de que o sector está a perder vitalidade é que a venda que ainda existe de apartamentos ou espaços para escritórios é feita agora totalmente apos concluída a construção na íntegra, quando, aquando do boom dos anos a seguir à guerra, as aquisições eram feitas maioritariamente em planta.

A dúvida gerada no mercado com a indefinição de muitos dos projectos apresentados como de grande qualidade, por problemas financeiros dos promotores, em grande medida surgidos com a crise originada pela baixa do preço do petróleo, que, recorde-se, em Junho de 2008 bateu nos 147 USD/barril e, em Maio deste ano caiu até à casa dos 20 USD, é a razão apontada para a falta de confiança na compra antes da conclusão da obra.

O crédito bancário, raro e a juros incomportáveis para as classes em ascensão no país, está, também, a emperrar fortemente este mercado; isto, apesar de os especialistas o apontarem como uma solução possível para desencravar as dezenas de prédios novos e de luxo desocupados na cidade de Luanda.

Mas os juros superiores a 20 por cento tornam impeditivo esse instrumento para as classes menos abastadas, bem como as restrições quanto ao tempo de amortização da dívida ou às exigências de garantias que não estão ao alcance da maioria.

Rendas por aí abaixo

Há 10 anos, arrendar um apartamento ou uma moradia em bairros centrais de Luanda, como Maculusso, Azul ou Alvalade, podia chegar, não sendo novos, para os apartamentos os seis a oito mil dólares e para as moradias, 10 a 25 mil, que, dependendo do tamanho, poderia ser mais... hoje, alguns destes espaços nem por um terço são alugados. A razão é a mesma: a crise e a consequente saída do país de milhares de expatriados.

Perante esta situação, os proprietários dos imóveis mais modernos debatem-se com um dilema: aceitar baixar as rendas ou mantê-los fechados à espera de melhores dias? Para já, vai imperando a esperança de que os maus ventos passem depressa.

A única certeza no meio é que todos esperam que a crise passe na expectativa de que os tempos de bonança regressem.

Mas os indicadores de partida, com, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), cerca de 75 por cento da população angolana a viver em casa própria e, entre outras situações, menos de 10 por cento arrendou a habitação que ocupa, para o longo prazo é difícil perspectivar um futuro risonho ao mercado do arrendamento sem a forte presença dos expatriados que se regista em alturas de boom económico.

NJ

 

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