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Quarta, 20 Abril 2016 17:02

Retaliações de Angola por causa de Isabel dos Santos? Lembre-se do Mantorras

Diplomatas, analistas de mercados e antigos responsáveis pela política externa consideram que Angola vai retaliar na sequência dos casos do BIC e do BPI. Tem tudo a ver com o ex-avançado do Benfica.

Lembra-se de Mantorras, aquele avançado que não passou de uma promessa por cumprir no Benfica? No dia 5 de março de 2007, quando se dirigia no seu Mercedes SLK para o centro de estágios do clube, no Seixal, o jogador foi apanhado a conduzir com uma carta de condução angolana, que não era válida em Portugal. Foi presente a um juiz e saiu com termo de identidade e residência.

O que é que isto tem a ver com o caso de Isabel dos Santos, o BPI e o BIC? Tudo. Seis dias depois da detenção do futebolista, a Televisão Pública de Angola emitiu uma notícia a dizer que as cartas de condução portuguesas deixavam de ser válidas em Angola. Era uma retaliação. Podem esperar-se mais retaliações — porventura mais graves — após decreto que retira poder à empresária Isabel dos Santos no BPI?

Na diplomacia há esta reciprocidade. Com Angola ainda mais. Um antigo responsável pela política externa portuguesa recorda este caso para demonstrar como funciona o Estado angolano. Desta vez, não se meteram com o Mantorras. Foi mesmo com a filha do Presidente, José Eduardo dos Santos, a segunda mulher mais rica de África. E esta terça-feira Isabel dos Santos acusou o governo de aprovar um decreto-lei “deliberadamente parcial” e uma “medida historicamente sem precedentes“.

“Penso que vai haver consequências e acho que o Governo tem alguma culpa: nestes quatro meses ainda ninguém foi a Angola; e se o primeiro-ministro se reuniu com Isabel dos Santos, então não dialoga com o Banco de Portugal?” O que poderá cair pior em Luanda é a questão da idoneidade de Isabel dos Santos para ser administradora do BIC, do qual é a principal acionista.

O Público noticiou que Isabel dos Santos rompeu o acordo com o CaixaBank no BPI depois de ter sido chamada pessoalmente ao Banco de Portugal, que lhe teria comunicado que não lhe dava o registo de idoneidade para ser administradora do BIC. Ao que o Observador apurou, o Banco de Portugal ainda não tomou uma decisão, e a atribuição do registo idoneidade a Isabel dos Santos ainda está a ser avaliada. Mas já houve interações do Banco de Portugal com a empresária e, na primeira reação de Isabel dos Santos, esta reconheceu que a equipa de gestão “foi posta em causa“.

Os três critérios para a avaliação da idoneidade são: a experiência no setor bancário; o currículo ou formação para exercer funções na banca; e a idoneidade propriamente dita, ou seja, se a pessoa não tem problemas legais e lhe é reconhecida seriedade. O que se comenta no Banco de Portugal, sabe o Observador, é que não ia ser por causa do problema no BPI que o regulador ia dar um jeitinho no BIC.

Idónea para meter dinheiro, mas não idónea para o gerir

O problema, para um antigo governante que passou pelas Necessidades, é que as elites angolanas não fazem uma grande distinção entre as entidades portuguesas. “Ainda estão loucos com o voto apresentado pelo PS por causa do Luaty Beirão. E eles não distinguem se é um tribunal, o Banco de Portugal ou outra instituição qualquer a atuar. Para eles, é o poder político que tem de blindar estas questões. Sobretudo depois de os angolanos terem acorrido a Portugal quando o país andava de mão estendida. Então a filha do presidente angolano não é idónea para administrar o BIC e já era idónea para meter dinheiro no BPI?”

Um diplomata que conhece bem Angola resume: “Não sei se tem ou não idoneidade, mas é a segunda mulher mais rica de África e filha de um Presidente. Na perspetiva deles é uma ofensa ao país”. Este especialista em relações internacionais não acredita que tudo permaneça tranquilo nas relações entre os dois países: “Por dois ou três telefonemas que fiz, sinto que vem aí alguma tempestade“. Mas também crê que José Eduardo dos Santos, sendo ponderado e realista, tentará travar o que houver de excessos.

É certo que, enquanto está em negociações com o FMI, Angola não vai querer assustar as instituições internacionais nem os investidores estrangeiros. Nas palavras de um analista financeiro ouvido pelo Observador, “não se pode, por um lado, pedir com uma mão, e, por outro, ranger os dentes”.

António Costa fez bem em reunir-se com Isabel dos Santos

Um ex-governante experiente da área do PSD considera que António Costa fez bem em intervir e em reunir-se com Isabel dos Santos, ao mesmo tempo que adiava a publicação da legislação sobre a desblindagem de estatutos. “Acho que o facto de ter tentado aquela mediação vai atenuar a reação de Angola. Se ele não o tivesse feito, acho que ninguém consegue precisar a dimensão dos danos”. Este antigo ministro recorda que, desde novembro de 2014, a supervisão bancária tem sede em Frankfurt e no BCE.

No que se refere ao registo da idoneidade, a informação que o gabinete de António Costa tinha na segunda-feira era que esta ainda não tinha sido decidida. Uma fonte do Governo também reforça a ideia de que a responsabilidade é da supervisão europeia no caso do BPI, pelo que não faz sentido que Portugal sofra retaliações de Angola.

Isabel dos Santos ainda não se pronunciou desde o fracasso das negociações, nem desde o lançamento da OPA do CaixaBank sobre o BPI. Mas o Jornal de Negócios lembra esta terça-feira que o Banco Nacional de Angola é uma das entidades que têm de dar a sua bênção à operação.

Retaliações? “Há muitas maneiras de matar moscas”

Existe, ainda, uma grande incerteza sobre que futuro terá a relação entre Isabel dos Santos e o CaixaBank, concretamente, a operação conjunta que é o Banco Fomento Angola (BFA). Isabel dos Santos poderá ficar, através da Unitel, dona exclusiva do BFA — sobretudo se a OPA do CaixaBank tiver sucesso e o ativo for vendido. Caso contrário, na cabeça dos analistas ligados à banca não se exclui uma possível retaliação – poderá não ser imediata, mas arrisca ser impiedosa.

“Há muitas maneiras de matar moscas“, diz ao Observador um analista do setor. “Basta lembrar que o BFA é um banco com uma operação muito rentável mas a relação com o Governo é muito importante. Se o Governo ou as autoridades locais deixarem de olhar para o BFA, pode ser o cabo dos trabalhos”, diz o especialista.

O analista recorda que muitas empresas, incluindo bancos, abriram o capital a parceiros locais precisamente para assegurar que as relações com o governo fossem mais próximas. “O que acontece ao valor do BFA se Isabel dos Santos sair e o banco passar a ser ostracizado, sendo-lhe retirado negócio, seja depósitos ou contratos de crédito?”, questiona o mesmo analista.

Se admitirmos que há um cenário de retaliação, o BFA pode estar em risco. E o BPI não terá outro comprador natural para a posição do BFA além de Isabel dos Santos”. Um diplomata vai mais longe: “E se os angolanos se lembram de nacionalizar o BFA de um dia para o outro? Também voltaram atrás com as garantias de três mil milhões do BES”.

Ainda assim, o especialista em mercados nota que Isabel dos Santos se viu um pouco “encurralada“. Logo ela, que “entrou para esta disputa com a mão mais forte”, e agora acaba a perder 22 cêntimos por ação num espaço de um ano — o que equivale a mais de 55 milhões de euros. Pelo que não se pode excluir um cenário de retaliação mais ou menos frontal. “Não seria bom para ninguém“, contudo, sublinha o analista.

Bruno Bobone: “A obediência cega à Europa é trágica para o país”

Que “não seria bom para ninguém” é, também, a visão de Bruno Bobone, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP). O gestor, que é também presidente da empresa de transportes e logística Pinto Basto, diz que não sabe qual será a posição de Isabel dos Santos. Mas tem “esperança” de que as coisas não se ponham nesses termos — de retaliação.

“Não vamos personalizar demasiado”, diz Bruno Bobone, preferindo olhar para o decreto-lei agora aprovado como uma medida positiva (no geral), independentemente do momento em que ela surge. “O que importa é se a medida é correta, o que seria preocupante era se o governo estivesse a lançar medidas erradas, fosse em que altura fosse”.

Bruno Bobone é um defensor do fim das blindagens de estatutos — que tendem, por exemplo, a penalizar os pequenos investidores bolsistas, mas prefere não associar uma coisa à outra. Não resiste, contudo, a deixar uma crítica velada: “A obediência cega à Europa é trágica para o país” e “atacamos sempre o mesmo lado”, diz Bruno Bobone. É importante manter uma boa relação com os parceiros europeus, reconhece Bruno Bobone, mas “há que notar que somos criticados por ter relações com países como Angola e Moçambique mas, depois, é a Alemanha que recebe uma missão de Moçambique e promete-lhes todo o tipo de benefícios”. “O interesse comum [europeu] é algo muito positivo até ao momento em que competimos uns com os outros“.

© Observador.pt

 

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