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Segunda, 16 Julho 2018 20:10

Domínio económico da família dos Santos está por um fio?

João Lourenço anula contratos adjudicados a empresas da família de José Eduardo dos Santos em Angola. Para economista, medida é positiva, mas não chega para acabar com favoritismos. "Não podemos ficar descansados", diz.

A anulação de contratos adjudicados sem concurso público por José Eduardo dos Santos aos filhos será um sinal do Presidente de Angola, João Lourenço, contra o domínio económico da família do ex-chefe de Estado no país? Em entrevista à DW África, o economista angolano Manuel Alves da Rocha diz que nota "um processo de perseguição do Presidente José Eduardo dos Santos, eventualmente, por divergências políticas do passado."

No último mês de junho, João Lourenço revogou contratos adjudicados sem concurso público por José Eduardo dos Santos aos filhos, Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos. Segundo o jornal português Expresso, os contratos eram de 20 mil milhões de dólares. A anulação afeta, por exemplo, a ligação da Sodiam, empresa estatal de comercialização de diamantes, à Odyssey, utilizada no negócio por Isabel dos Santos, releva o jornal.

O contrato de construção do porto da Barra do Dande, orçado em 1.500 milhões de dólares e garantido por José Eduardo dos Santos à Atlantic Ventures uma semana antes de deixar o poder, ficará no âmbito de um concurso público internacional. Mas a empresa associada a Isabel dos Santos considerou a revogação como "infundada" e alertou que o Estado angolano ficará "exposto ao pagamento de indemnizações previstas pela lei angolana e pelo Direito Internacional". José Filomeno dos Santos também terá sido afetado. A empresa Sompepa, da qual é associado, terá tido os direitos mineiros para exploração de ouro retirados.

Para Manuel Alves da Rocha, ainda é prematuro dizer que o país está a dar passos para reduzir os privilégios só para alguns. "Há aí muito mais famílias [além da família dos Santos] que também obtiveram as suas fortunas e os seus negócios por vias menos legais, menos legítimas, menos transparentes", disse. "A medida é bem vinda, mas não é suficiente para se criar uma mentalidade diferente."

DW África: Essa medida pode garantir o fim do favorecimento de negócios milionários aos familiares de José Eduardo dos Santos?

Manuel Alves da Rocha (MAR): Para mim, tem sido um pouco difícil delimitar onde começa de facto a aplicação de medidas tendentes a reduzir a elevada corrupção que existe em Angola e até onde vão as disputas internas dentro do MPLA [Movimento Popular de Libertação em Angola, o partido no poder]. Sabe-se que as relações entre João Lourenço e José Eduardo dos Santos deterioraram-se durante bastante tempo. Para mim, fica difícil distinguir ações tendentes a aumentar a transparência e a reduzir a impunidade com conflitos de natureza pessoal e política entre as duas individualidades. Com a experiência política adquirida nos seus 38 anos de governação, José Eduardo dos Santos pensava que as coisas poderiam continuar na mesma, uma vez que ainda detinha algum poder e alguma influência dentro do MPLA, mas o ataque à corrupção foi um assunto sempre destacado na campanha eleitoral de João Lourenço.

DW África: Ainda não é possível mensurar o impacto dessa medida, mas a tendência deve ser a redução do domínio económico da família dos Santos em Angola?

MAR: Na minha leitura pessoal, acho que há aqui um processo de perseguição do Presidente José Eduardo dos Santos, eventualmente, por divergências políticas do passado. Há aí muito mais famílias que também obtiveram as suas fortunas e os seus negócios por vias menos legais, menos legítimas, menos transparentes. Aparentemente, não notei até agora nenhum movimento dirigido a essas famílias e a esses empresários. Podia haver aqui um excesso de interferéncia da família dos Santos em termos de negócios e um desequilíbrio na criação da chamada burguesia nacional. E isto é mal, porque nós continuamos a ter uma taxa de pobreza muito elevada e a maioria da população a sobreviver em condições extraordinariamente difíceis. Portanto, tudo o que seja no sentido de mitigar a influência nefasta destes desequilíbrios na acumulação e distribuição de rendimentos, é tudo bem vindo, mas isso não é suficiente para se criar uma mentalidade diferente.

DW África: Na sua opinião, João Lourenço sinaliza uma rejeição à herança de corrupção do antigo regime?

MAR: Eu acho que vocês devem ter acompanhado o caso do Presidente João Lourenço que retirou uma espécie de monopólio a uma empresa de aviação civil em Angola, do qual um dos seus irmãos fazia parte. Esse é um bom sinal, mas também é um sinal de que os desafios e os riscos de a corrupção continuar continuam aí. Portanto, esse é um processo que tem que passar pela criação de uma cidadania e pela educação para alterar as mentalidades que foram criadas durante o tempo do partido único.

DW África: Que outras medidas deveriam ser adotadas por João Lourenço para remediar os efeitos da gestão danosa do passado e evitar novos episódios de corrupção no futuro?

MAR: A gestão danosa do passado já está danosa e as consequências estão aí. Ainda não vimos outros tipos de medidas concretas no sentido de ficarmos relativamente descansados quanto a ser diferente no futuro.

DW África: Então há muito trabalho a ser feito para combater a cultura de benefícios em Angola.

MAR: Evidemente, e essas indicações da postura do Presidente João Lourenço e também de alguns elementos da sua equipa fazem-nos ter alguma esperança, mas nada como o tempo para confirmar se essas expetativas serão atendidas. João Lourenço está a fazer um ano de mandato e, naturalmente, nada foi conseguido até agora. As expetativas de crescimento da economia mantêm-se muito baixas. Essas taxas refletem justamente que há um empobrecimento gradual da população angolana. Se juntarmos a isso uma distribuição muito acintosa do rendimento nacional, imagine quão grande são as nossas dificuldades. DW África

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