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Domingo, 27 Mai 2018 10:48

Investigador angolano insiste em Comissão da Verdade e Reconciliação sobre "27 de maio"

O investigador angolano Eugénio Costa Almeida insistiu hoje na criação de uma Comissão da Verdade e Reconciliação para se "enterrar, de vez", os resquícios dos acontecimentos de 27 de maio de 1977 em Angola.

Num artigo intitulado "Esquecer ou Rememorar?", publicado na edição online do jornal Folha 8, o investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) sugere que a comissão poderá ser criada no Congresso que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975) realiza em setembro.

"[Sugiro que] todos os que participaram neste processo se juntem num conclave nacional, numa Comissão de Reconciliação e de Verdade, para todos, mas todos, se redimirem dos seus erros e culpas, e permitir que as famílias façam o luto oficial e, finalmente, reconciliar a sociedade. Quando isso acontecer, Angola será mais forte, mais una, mais fraterna, mais solidária! Têm a palavra os 'donos do processo 27M'!", escreveu Costa Almeida.

Para o também Pós-Doutorando da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, em setembro poderia ocorrer uma "setembrina", com a possibilidade de o MPLA abrir à comunidade interna e ao país, "de vez", o tema "27 de maio", para que se passe, "descansadamente, à História".

A 27 de maio de 1977, passam hoje justamente 41 anos, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada por Nito Alves - ministro do Interior desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 --, foi violentamente reprimida pelo regime do então Presidente angolano, Agostinho Neto.

Seis dias antes, a 21 de maio, o MPLA expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro, com vários apoiantes, a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros seus simpatizantes, assumindo, paralelamente o controlo da estação da rádio nacional, na capital.

As tropas leais a Agostinho Neto, com o apoio de militares cubanos, acabaram por restabelecer a ordem e prenderam os revoltosos, seguindo-se, depois, o que ficou conhecido como "purga", com a eliminação das fações dentro do MPLA, em que foram mortas, refere Costa Almeida, cerca de 30 mil pessoas, na maior parte, sem ligação a Nito Alves.

"É altura de todos olharmos para Angola como um país que enterrou todos os seus dramas. É altura de o MPLA abrir-se, de vez, à comunidade e criar, internamente ou mesmo através do Governo nacional, na linha do que fez, e muito bem, a África do Sul e, mais recentemente, o Brasil, a tal Comissão de Verdade, onde tudo pudesse ser transmitido à comunidade e libertados todos os fantasmas", defendeu hoje Costa Almeida.

Segundo o investigador, o MPLA está a caminho de uma nova direção em setembro, data prevista para a passagem de testemunho na liderança do MPLA entre José Eduardo dos Santos e João Lourenço, "se não houver surpresas de última hora".

"[O '27 de maio'] recorda-se, rememora-se ou há quem persista em mantê-lo para que, sem coragem, de outra forma, o conservar sempre na memória do coletivo um processo que persiste em estar na anamnese da sociedade?", questiona.

"Há que dar oportunidade a milhares de famílias obterem as certidões de óbito dos seus familiares desaparecidos. Não basta dizer que a guerra acabou quando na sociedade ainda persiste uma ferida muito grave por sarar", sublinhou Costa Almeida.

Lembrando palavras do jornalista angolano Rafael Marques, o investigador realçou que só quando houver "um processo genuíno de reconciliação", os mortos poderão "repousar na memória coletiva da sociedade, ser emocionalmente enterrados pelos seus entes queridos e justificar o perdão a mandantes e carrascos".

"Numa sociedade onde, todos os anos, o espetro do 27 de maio de 1977 renasce e sempre com cargas emocionais traumáticas e, por vezes, descompassadas, porque numa sociedade onde não haja entendimento nem reposição da verdade, reabilitação da injustiça, reconhecimento das responsabilidades individuais e coletivas, do pedido genuíno do perdão -- e este deve ser feito por todos os que estiveram no processo -, temos de concluir que será sempre uma sociedade castrada", concluiu.

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