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Segunda, 09 Dezembro 2013 06:39

Morrer à procura de pedras preciosas

Os relatos da vida dura que os garimpeiros levam e das mortes que se registam nas zonas de exploração ilegal de diamantes, não são actuais. No Bié, coração do país, a situação é preocupante e autoridades avançam que diariamente cinco pessoas morrem nas minas ilegais.

Depois das Lundas Norte e Sul, o Bié, mais precisamente, no município da Nhârea, de acordo com a administradora Maria Chicapa, é a região mais famosa na extracção ilegal da pedra preciosa. Ali o garimpo é actividade de sobrevivência da população local e de enriquecimento dos estrangeiros.

A localidade de Seteka, no sector de Catacala, tornou-se, desta forma, no ponto nevrálgico do crescimento do fenómeno e dos relatos negros da vida dura dos garimpeiros. A administração comunal da Lúbia, naquele município, e a população acreditam que cerca de cinco pessoas morrem diariamente na Catacala, um lugar que já foi, no passado, procurado pela UNITA, para financiar as suas actividades em tempos de triste memória e até para a formação dos quadros deste Partido.

Actualmente, segundo os dados avançados pelo comando provincial da Polícia Nacional do Bié, Seteca é cobiçada por um sem número de estrangeiros, que em busca de riqueza tudo faz, para chegar à província. "Todos os dias chegam a esta província estrangeiros", disse Eduardo Cerqueira, comandante provincial da Polícia Nacional que promete medidas seguras para garantir a segurança da região.

Os mesmos, na sua maioria do oeste africano, alguns com estadia ilegal, são acusados de oferecerem dinheiro aos angolanos e forçá-los a permanecerem dias e noites na exploração de diamantes. Muitas mortes, na Catacala, comuna da Lúbia, 68 quilómetros da sede municipal, conforme as informações, resultam destes acordos.

Os funerais são realizados diariamente, por falta de moergues. Populares autoridades tradicionais, manifestaram a sua preocupação, em função do número de mortes que se assiste na área. PROTEGER A VIDA. Maria Chicapa, administradora da Nhârea, disse, durante o segundo encontro de auscultação e concertação social do município que há muito as autoridades locais procuram travar a expansão do fenómeno, por as consequências serem desastrosas.

As mortes aumentaram e as acções do Governo, com relação a este problema, têm sido ainda incipientes, embora exista o lado social de que dezenas de famílias carenciadas dependem do garimpo para a sua sobrevivência.

As histórias estão nas ruas, nas casas, na alma de Catacala, que tem no nome a riqueza e as mortes inculcadas. Ninguém sabe ao certo, no entanto, calcula-se, que da região tenham saído milhares de milhões de dólares em diamantes.

Nem mesmo o próprio Estado tem o registo fiscal da comercialização des minério. Os nativos carregam na pele o peso de escravos e são capazes de cavar buracos até 20 metros de profundidade, faça sol ou não . Muitos trocaram a vida da cidade pela mata com objectivo de encontrar o diamante ou mesmo a própria morte.

A região tem o potencial para a prática da actividade artesanal, em termos de riqueza, até porque, durante a nossa estadia, foi possível obter informações de que, lá já saíram outras pedras que se transformaram em riqueza que apaixonaram os estrangeiros que tudo fazem para merecer o apoio da população local.

Esteves Moisés, administrador comunal da Lúbia, disse à nossa reportagem, que a situação é negra nas áreas do Bueto, Sacatuiki, Henriques e Caluela. E para reduzir o número de mortes e a fuga ao fisco, sugeriu a criação de normas que assegurem o garimpo.

"Torna-se necessário criar um sistema normativo moderno e abrangente, que englobe um conjunto de regras para regular a actividade na região e proporcionar maiores rendimentos à população", disse, apelando também que sejam criados mecanismos de protecção ambiental para evitar o contínuo desmatamento.

A ATRACÇÃO PELO DIAMANTE

Fufuta André, tem 34, e pouco menos de 1,80 metro de altura, contou a este semanário, tudo o que tem vivido num dos maiores campo de batalha de exploração diamantífera do Bié, na localidade de Seteca, no sector da Lúbia.

Nascido em Benguela, onde hoje ainda moram os seus pais e a ex-mulher, deixou a vida de vendedor ambulante, no fim de 2011 e foi para o Bié em busca de diamantes e mudar de vida. Hoje é um dos 1000 garimpeiros de Catacala, na Lúbia, que para além da doença que contraiu, em função do trabalho forçado, clama a Deus para ajudá-lo a regressar a casa mesmo sem a pedra da felicidade.

"Ouvimos falar do diamante do Bié. Ninguém aqui é comerciante ninguém tem um salário fixo da administração pública, aqui em Seteka, somos todos garimpeiros e são poucos que se dedicam à agricultura e a administração do Estado. Enquanto existir diamante aqui, vamos fazer isso", disse determinado.

Fufuta, acompanhado de outros garimpeiros que não fugiram à presença do governador da província, Boavida Neto e do comandante da Polícia Nacional, Eduardo Cerqueira, gostaria de fazer parte de um grupo de exploração legal, mas a falta de meios para a sobrevivência do grupo adiam o sonho para as calendas gregas.

PREÇO JUSTO

Ainda são muitas as contradições entre os garimpeiros e os compradores. Estes últimos dizem que pagam 120 dólares o quilate, mas o homem do Chibulo, garante que ninguém paga mais de 50. As informações avançadas no terreno dizem que os garimpeiros de Seteka, onde se encontra o maior jazigo de diamantes da província, têm vendido, em média mensal, 600 mil dólares.

"O diamante aparece, mas aqui as vendas são muito baixas. Os compradores pagam apenas 45 dólares por quilate e isso está a prejudicar estas pessoas que todos os dias estão aqui à procura da pedra preciosa", avançou. São vários os que se dedicam à compra do minério e patrocinadores, estes últimos, os carrascos, para com aqueles que diariamente cavam a terra a procura da riqueza representada em pedra.

"Eles dão os mantimentos até um mês de logística e quando a sorte bate à porta, encontrámos diamantes, na altura de vender eles têm de estar presentes e repartir o valor das vendas e em muitos casos eles ficam com a maior fatia do bolo". Salim Talib, um dos compradores ligados a Ascorp, e com um português que denuncia ser um libanês, disse que na Seteka tem muito diamante, mas a qualidade não é das melhores, por isso, prefere as lundas.

Questionado sobre a qualidade do produto afirmou: o diamante do Bié é mais industrial. "Pagamos 120 à 150 dólares o quilate de diamante, mas isto em função da qualidade e utilidade. Na sua maioria as pedras daqui servem mais para a indústria aeronáutica e outras utilidades como na joalharia", explicou, ao mesmo tempo que exibe o cartão de estrangeiro residente em Angola.

LEGADO DA UNITA

Entre a sede municipal da Nhârea e a localidade onde fica o maior garimpo do Bié, há uma extensa zona rural, onde a principal cultura é a mandioca. Seteka pertence à Lúbia, que se confunde com as matas do Lucapa, na Lunda Norte, um dos maiores pólos produtores de diamantes do país. Segundo informações, em 2002, quando terminou a guerra civil, um grupo dos camponeses locais decidiu dar continuidade à actividade que no passado era exercida pela UNITA

Imediatamente largaram o campo e formaram o garimpo, embora dados da altura apontassem para a existência de diamantes industrialmente viáveis. O diamante anima muitos habitantes, mas apenas o Celso, o magnata da localidade tem uma frota de meios que lhe garantem a exploração em grande escala. "Este é um português que deixou a vida da cidade para se instalar nesta mata sem condições nenhumas.

Foi ele que reabilitou a estrada até aqui e está a construir a escola para o ensino primário. Faz isto porque tem interesses nesta zona, mas é importante que os filhos da terra não sejam esquecidos, por isso louvamos a iniciativa de legar esta actividade", confidenciou-nos Calombe, um homem de 46 anos, natural do Andulo, 10 quilometros da Nhârea. "Larguei tudo para vir ao Bié. Fui segurança e, desde que comecei no garimpo, meus problemas de saúde agravaram.

Eu não troco isso aqui, mesmo sendo difícil, no final compensa", reconheceu, Matias Calei, natural do Waku Kungu, Kwanza-Sul. No pequeno sector, de apenas 16 mil habitantes, encravado no meio da floresta e montanhas, o garimpeiro Calombe, se prepara para iniciar a exploração, este ano, da sexta mina de diamantes extraídos directamente do solo.

A SICOMEX, comandada por empresário estrangeiros, já comprou mais de 6 milhões de dólares, em 2013, só em diamantes, e planeia ampliar os negócios ao longo do próximo ano, para acelerar a comercialização do minério.

O dinheiro que financiou toda essa operação saiu dos vários negócios da empresa, desde a venda de veículos e ao comércio de produtos alimentares. Os compradores da SICOMEX estimam em pouco mais de 2 milhões de quilates de diamantes a capacidade total das minas da região, que fazem parte do jazigo de três quilometros, da Nhârea.

O fluxo de estrangeiros no Bié a procura do diamante é justificado pela pouca profundidade em que os garimpeiros encontram as pedras. Na Nhârea, o diamante está a cerca de 4 metros da superfície. Dada a complexidade da actividade, alguns garimpeiros não encontraram outra saída senão trabalhar para conseguir o dinheiro que possibilite o regresso à terra de origem. Estima-se que ainda existam outras áreas, para além de Seteka, onde os diamantes estejam a ser explorados sem nenhum benefício para a população.

A VOZ DA EXPERIÊNCIA

"No tempo da guerra, andavam aqui muitos estrangeiros brancos, mas hoje são mesmo os negros que aparecem mais. Queremos que o Governo apoie a população para conseguir extrair os diamantes e melhorar as condições de vida da população", sublinhou o soba Catraio, que no seu longo currículo de autoridade tradicional, reconheceu ser urgente a adopção de métodos de exploração mais modernizados e avançar com a legalização da actividade do garimpo em exploração artesanal.

"Não sabemos quantas pessoas morrem por dia, mas é verdade que todos dias aqui nos cemitérios de Catacala e de Seteka, são enterrados corpos de garimpeiros. Algumas mortes são provocadas nos negócios que fazem.

Muitas vezes não se entendem na repartição do dinheiro da venda e quando assim acontece o lesado parte para a agressão. Estamos numa terra em que impera a lei do mais forte", lembrou o soberano, que ao lado de mais três anciãos, manifestou o desejo de esperar pela iniciativa da ENDIAMA que pretende legalizar a actividade e reduzir o fluxo de estrangeiros ilegais que fazem de Catacala o seu quartel.

Na comuna do Dando, ainda no município da Nhârea, onde a exploração predominante é a pluvial, uma vez que os jazigos terrestres para a produção artesanal encontram-se esgotados, os relatos não envolvem mortes a granel de garimpeiros, embora não se descarta a realidade.

As áreas com potencial diamantífero explorável impõem aos exploradores dificuldades de extracção. Grande parte dos terrenos do Dando são pedregosos e requerem escavações profundas, dificultando o desenvolvimento do fenómeno naquela localidade.

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